Recentemente fui a um seminário em Espanha de Busca e Salvamento e ouvi um treinador a dar o seguinte conselho a um iniciante na actividade, cuja performance do cão tinha sido abaixo do esperado, uma vez que o cão não estava totalmente focado no dono nem no que estava a fazer:
“ O problema do teu cão é que tu dás muito mimo. O cão para se focar em ti tens que ser rigoroso, não podes ceder e tens que ser tu a mandar. Por isso tudo se resume a 40% de treino, 40% de respeito e 20% de carinho, é isto que tens que fazer, mais nada.”
E o “iniciante” saiu dali com o ar mais confuso do mundo. Não admira!
Como é possível alguém medir percentagens de treino, respeito e carinho atribuido a um cão? Como é possível medir e depois dividir quantitativamente?
Se o mero conceito de respeito difere conforme a pessoa, a cultura a educação, o país, o relacionamento, etc.. como podemos pedir a um cão que nos respeite se nem nós sabemos o que é isso? Pior, como podemos pedir a um cão que nos respeite nada mais nada menos do que 40%?? Se um cão não é dotado de um conceito de moralidade como é que o cão que não passa de um animal irracional, sabe o que é respeito?
E quanto ao treino, o que são 40% de treino? Que tipo de treino?
Mas o mais caricato desta expressão é dizer 20% de carinho. Já nem questionando o que é carinho e o que são 20% disso, o carinho terá que se a dose mais pequena, porquê? Porque segundo o tal “treinador” muito carinho “estraga” o cão e ele não vai trabalhar bem.
Mas o que estraga o meu cão é mostrar que gosto dele? É dar um sorriso ao meu cão? Uma festa? Dizer que ele fez bem? Dar-lhe um pedaço de comida? Deixá-lo dormir no meu quarto? Pegar nele ao colo? Dar-lhe beijos? O cão vai-me respeitar mais e gostar mais de mim se eu o ignorar? Ou talvez se eu me recusar a dar-lhe atenção e mimo?
O problema de todo este conceito é que reflecte uma mentalidade que está impregnada nas mentes de muitos treinadores que ouviram da boca de um outro treinador a mesma coisa e que praticam as mesma técnicas durante anos sem questionarem nada. É o treino do passa palavra e que face á realidade do treino canino mundial está completamente desactualizada.
E assim estes treinadores baseiam toda a sua relação com o cão duma forma coerciva e aversiva na qual muitas vezes o bem-estar dos cães é delegado para segundo plano para se alcançar um objectivo apenas, o de se ser o melhor no meio em que estão, seja este busca e salvamento, obediência, mondioring, etc...
Este treinador não se preocupou com o facto de que o cão e o dono “iniciante” em questão nunca tinham tido nem uma aula de obediência e treino, e que talvez fosse por isso que o cão não “ligava” ao dono. Também determinou logo á partida que o problema do cão era ser mimado demais, porque este procurou tanto a dona (que também lá estava) como o dono.
Outros conselhos incluiam:
- Fechar o cão numa caixa transportadora por horas a fio, só o tirar para interagir com ele e não o deixar brincar nem interagir com mais ninguém, nem com a dona que a partir daquele dia teria que ignorar um dos cães que vivia com ela na totalidade, ao ponto de nem poder alimentá-lo.
- Não o deixar brincar com outros cães.
- Não deixar que o cão brinque a não ser com o dono e quando este estipular. E este estipular tinha que ser uma tarefa quase medida ao centímetro.
Mas que vantagens poderá este tipo de atitude trazer, quer ao cão, quer ao dono, quer ao relacionamento dos dois? O relacionamento deixou de ser um de prazer, para ser um de regras restrictas, nas quais nem o dono nem o cão podem gozar da companhia um do outro quando querem. São amigos impedidos de o ser porque um “treinador” assim o disse.
E do ponto de vista do trabalho, porque é que limitar a vivência do cão á solidão vai melhorar a performance do mesmo na hora de trabalhar? Se assim fosse os cães que passam anos presos a correntes e não vêm nem comunicam com nada nem ninguém fariam perfeitos cães de trabalho. Mas claro este conceito é errado.
O que torna um cão focado no dono? Treino. Quanto? Quanto mais melhor.
O que torna um cão focado no dono e não distraído com o ambiente? Um cão que tem tanta estimulação mental, exercício físico e interacção com o meio ambiente que quando se apresenta ao trabalho num ambiente novo, este lhe seja comum e não uma distracção.
O que torna um cão focado na tarefa que lhe é dada e não distraído com outras coisas? Um que brinca com outros cães (assim se vir um não se sente tentado nem a ir apresentar-se nem a comê-lo vivo porque não sabe reconhecer ou interagir com a própria espécie), um que interage com outras pessoas porque quando vir muitas não se vai sentir medroso ou com falta de confiança, nem vai depender do dono para nada.
Um bom cão de trabalho é um cão independente com uma boa base de treino e que confia no dono e isso consegue-se tão simplesmente com treino positivo, reforçando comportamento desejáveis, eliminando os indesejados dessa forma extinguindo-os, convivendo com ele e dando-lhe uma qualidade de vida que um cão que trabalha para nosso proveito merece.
Portanto se o problema é o cão que não vem quando é chamado, não é porque é dominante ou desobediente, é porque ninguém lhe ensinou convenientemente e em todos os cenários o signficado da palavra “vem” ou “aqui”.
Se o problema é o cão que vai cheirar o chão na vez de ir procurar a vítima (no caso de busca e salvamento) então a solução não é fechá-lo de castigo numa caixa por 5 horas, é sim socializar o cão, levá-lo ao maior número possível de sítios para que ele se habitue a eles todos, e treiná-lo em diferentes ambientes para que ele saiba trabalhar no meio dessas distracções.
Se o problema é que o cão só trabalho com comida, a solução definitivamente não passa por dar-lhe choques eléctricos para que ele aprenda a recusar comida do chão, passa sim por ensinar a recusa de comida com métodos positivos onde o cão aprende por si mesmo a rejeitar a comida que está no chão e a confiar nas nossas decisões e a procurar o dono para o que fazer a seguir.
Estes treinadores alcançaram lugares de destaque durante os vários anos de trabalho merecido e muitos deles detêm muitas qualidades de trabalho inegáveis. É pena é que tenham parado no tempo e não se tenham apercebido que já não estamos há 30 ou 40 anos atrás.
Hoje em dia, não se deve aceitar que cães continuem a sofrer nas mãos de treinadores que escolheram não se actualizar e estacaram no tempo. Como qualquer bom profissional apenas aquele que se mantém dentro das novas pesquisas e descobertas é que alcança o futuro, os treinadores de passa palavra que se escondem na experiência que tiveram há 50 anos atrás, esses infelizmente continuarão encerrados no passado.
PS - Este cenário não se aplica a todos os treinadores que praticam estas actividades, nem a nenhum treinador em especial. Também neste tipo de trabalho se encontram treinadores dotados de conhecimento válido e que o aplicam conjuntamente com a vasta experiência que têm.
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
segunda-feira, 20 de outubro de 2008
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
COLEIRAS DE ENGASGO: TREINO DE OBEDIÊNCIA OU CASTIGO FÍSICO?
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Dado que existem estas alternativas mais amigáveis e com melhores resultados, o papel das coleiras de engasgo e de choque é, no mínimo, questionável. Na realidade, o seu uso é desnecessário e, muitas vezes, pouco eficaz. E pode ser considerado, de muitos modos, como cruel.
Ensinar o seu cão a comportar-se fará com que ele se torne mais agradável de ter por perto, mas também ajudará a protegê-lo num mundo dominado por perigos produzidos pelo homem, tais como estradas movimentadas. Mas esta ideia simples deu lugar à ficção de termos de controlar os nossos cães, qualquer que seja o meio utilizado.
As coleiras de engasgo e de choque são um exemplo desta crença, e são um modo popular de controlar os cães.
Ensinar o seu cão a comportar-se fará com que ele se torne mais agradável de ter por perto, mas também ajudará a protegê-lo num mundo dominado por perigos produzidos pelo homem, tais como estradas movimentadas. Mas esta ideia simples deu lugar à ficção de termos de controlar os nossos cães, qualquer que seja o meio utilizado.
As coleiras de engasgo e de choque são um exemplo desta crença, e são um modo popular de controlar os cães.
As coleiras de engasgo e de choque estão indicadas para impedir os cães de puxar a trela ou de ladrar através do uso de dor. Os cães deixam de puxar a trela ou de ladrar por uma única razão - porque dói!
No entanto, em alguns casos, os cães não respondem a estas coleiras – mas apenas porque elas não os magoam o suficiente! Como resultado, o dono ou o tratador podem aumentar a severidade puxão ou mudar para a ainda mais dolorosa coleira de espigões (uma coleira com picos). Alguns cães poderão tornar-se tão insensíveis à dor que apenas responderão a uma perigosamente alta intensidade de dor.
Um cão que tenha sido ensinado a não puxar com uma coleira de engasgo tem de continuar a usá-la – normalmente durante meses ou anos, e às vezes durante toda a vida, uma vez que puxar a trela é facilmente reaprendido logo que a coleira lhe é tirada. E, se o tratador for inconsistente, o cão provavelmente aprenderá que é perigoso puxar quando tem a coleira, mas é seguro fazê-lo quando não a tem, e consequentemente ajustará o seu comportamento a esse facto. Uma vez que os cães aprendem em contextos muito específicos, esta mudança de comportamento faz todo o sentido.
Infelizmente em vez de compreendermos que é assim que o cão aprende, muitos tratadores erradamente presumem que o cão sabe o que faz e está somente a ser “mau”. O resultado é muitas vezes, o uso de correcções ainda mais dolorosas através da coleira.
Estas técnicas não são somente desnecessárias, como também quando combinadas com a altura errada do seu emprego (o que é frequentemente o caso) se tornam ineficazes – e podem ser realmente cruéis. O cão experimenta assim, não só o castigo mental e físico mas também não sabe como evitá-lo.
Quer se trate de coleiras de engasgo, coleiras de choque ou pior, o castigo físico dos cães disfarçado com o nome de “treino do cão para o seu próprio bem” é não só desapropriado como desnecessário. Um treinador que acredite que o momentâneo estrangulamento do cão para ensiná-lo a não puxar na trela, é necessário, dificilmente será um amigo dos cães – e certamente não merece os seus honorários.
Felizmente para os cães, a discussão acerca das coleiras de engasgo, de espigões ou de choque está, cada vez mais, a tornar-se uma discussão académica, uma vez que firmemente estão a ganhar cada vez mais popularidade os processos de treino alternativos e os processos de lidar com os cães, mesmo os de maior porte. Os halters para os cães – baseados nos mesmos princípios que os halters para os cavalos e póneis – atingem resultados mecânicos extraordinários, i.e. através da mudança dos pontos de leverage e não do uso de dor. Há ainda processos de ensinar o cão a não puxar a trela ou a não ladrar através do uso de recompensas.
Na verdade durante os anos 90 verificou-se uma explosão no interesse e no desenvolvimento de técnicas de modificação comportamental tendo como base o reforço positivo e não o castigo físico, como a sua principal motivação. Estas técnicas estão já bem alargadas, bem compreendidas, são fáceis de utilizar, amigas dos cães e podem ser utilizadas virtualmente para todas as tarefas de treino e problemas de comportamento.
A SPCA de S. Francisco usa estes métodos no treino de todos os seus cães de acolhimento , nas nossas aulas de treino de cães para o público em geral e na nossa Academia para Treinadores de Cães. E os resultados têm sido espectaculares - os cães mostram progressos muito mais rapidamente e muitos estão já bastante bem treinados quando são adoptados. Talvez o mais importante de tudo seja o facto de, em S. Francisco, a taxa de eutanásia de cães, devido a problemas comportamentais graves, ter descido cerca de 12% em toda a cidade, durante o ano passado.
A SPCA de S. Francisco acredita que:
Os cães têm o direito de ser treinados e ajudados a ajustar-se à nossa sociedade com os métodos disponíveis não aversivos. E que os cães têm o direito a estar livres de castigos físicos e mentais.
No entanto, em alguns casos, os cães não respondem a estas coleiras – mas apenas porque elas não os magoam o suficiente! Como resultado, o dono ou o tratador podem aumentar a severidade puxão ou mudar para a ainda mais dolorosa coleira de espigões (uma coleira com picos). Alguns cães poderão tornar-se tão insensíveis à dor que apenas responderão a uma perigosamente alta intensidade de dor.
Um cão que tenha sido ensinado a não puxar com uma coleira de engasgo tem de continuar a usá-la – normalmente durante meses ou anos, e às vezes durante toda a vida, uma vez que puxar a trela é facilmente reaprendido logo que a coleira lhe é tirada. E, se o tratador for inconsistente, o cão provavelmente aprenderá que é perigoso puxar quando tem a coleira, mas é seguro fazê-lo quando não a tem, e consequentemente ajustará o seu comportamento a esse facto. Uma vez que os cães aprendem em contextos muito específicos, esta mudança de comportamento faz todo o sentido.
Infelizmente em vez de compreendermos que é assim que o cão aprende, muitos tratadores erradamente presumem que o cão sabe o que faz e está somente a ser “mau”. O resultado é muitas vezes, o uso de correcções ainda mais dolorosas através da coleira.
Estas técnicas não são somente desnecessárias, como também quando combinadas com a altura errada do seu emprego (o que é frequentemente o caso) se tornam ineficazes – e podem ser realmente cruéis. O cão experimenta assim, não só o castigo mental e físico mas também não sabe como evitá-lo.
Quer se trate de coleiras de engasgo, coleiras de choque ou pior, o castigo físico dos cães disfarçado com o nome de “treino do cão para o seu próprio bem” é não só desapropriado como desnecessário. Um treinador que acredite que o momentâneo estrangulamento do cão para ensiná-lo a não puxar na trela, é necessário, dificilmente será um amigo dos cães – e certamente não merece os seus honorários.
Felizmente para os cães, a discussão acerca das coleiras de engasgo, de espigões ou de choque está, cada vez mais, a tornar-se uma discussão académica, uma vez que firmemente estão a ganhar cada vez mais popularidade os processos de treino alternativos e os processos de lidar com os cães, mesmo os de maior porte. Os halters para os cães – baseados nos mesmos princípios que os halters para os cavalos e póneis – atingem resultados mecânicos extraordinários, i.e. através da mudança dos pontos de leverage e não do uso de dor. Há ainda processos de ensinar o cão a não puxar a trela ou a não ladrar através do uso de recompensas.
Na verdade durante os anos 90 verificou-se uma explosão no interesse e no desenvolvimento de técnicas de modificação comportamental tendo como base o reforço positivo e não o castigo físico, como a sua principal motivação. Estas técnicas estão já bem alargadas, bem compreendidas, são fáceis de utilizar, amigas dos cães e podem ser utilizadas virtualmente para todas as tarefas de treino e problemas de comportamento.
A SPCA de S. Francisco usa estes métodos no treino de todos os seus cães de acolhimento , nas nossas aulas de treino de cães para o público em geral e na nossa Academia para Treinadores de Cães. E os resultados têm sido espectaculares - os cães mostram progressos muito mais rapidamente e muitos estão já bastante bem treinados quando são adoptados. Talvez o mais importante de tudo seja o facto de, em S. Francisco, a taxa de eutanásia de cães, devido a problemas comportamentais graves, ter descido cerca de 12% em toda a cidade, durante o ano passado.
A SPCA de S. Francisco acredita que:
Os cães têm o direito de ser treinados e ajudados a ajustar-se à nossa sociedade com os métodos disponíveis não aversivos. E que os cães têm o direito a estar livres de castigos físicos e mentais.
terça-feira, 7 de outubro de 2008
O castigo resulta?
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O castigo pode ser eficaz em casos específicos, mas deverá ser usado com cuidado dadas as dificuldades que existem em pô-lo na prática, comparado com técnicas de reforço positivo e dados os potenciais efeitos adversos. O que se segue é uma descrição das dificuldades e efeitos adversos que podemos esperar aquando do uso de castigo (aversivos).
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