domingo, 8 de junho de 2008

A CONTROVÉRSIA DO “DOG WHISPERER” CESAR MILLAN parte 1


A CONTROVÉRSIA DO “DOG WHISPERER” CESAR MILLAN - texto retirado na íntegra do website http://www.4pawsu.com

Com a recente popularidade de um programa de televisão acerca de cães com problemas, a controvérsia acerca de que métodos são os mais humanos e efectivos para se abordar estes problemas nos cães tem sido renovado e divide amantes de cães por todo o mundo.
Enquanto especialista de comportamento, treinadores e outros profissionais do mundo canino reconhecem que o programa expõe os donos de cães á possibilidade de modificar o comportamento dos seus cães, o programa dá a falsa impressão que o comportamento pode ser modificado numa questão de horas. Profissionais estão também preocupados com os métodos usados, uma vez que muitos dos métodos são conhecidos por incentivar comportamentos agressivos.
Este artigo irá explorar os temas controversos e tentará separar os factos do marketing. Sempre que possível, links adicionais ou recomendações de livros serão dadas como referência ou como forma de desenvolver um determinado assunto.

PSICOLOGIA CANINA OU PSICOLOGIA POP?
Mesmo antes das experiências de Ivan Pavlov com cães, cientistas estudavam o comportamento animal em laboratórios e no campo, onde o comportamento poderia ser estudado no ambiente natural do animal, sem intervenção humana. É a combinação destes estudos que nos dá o conhecimento acerca do comportamento canino que temos actualmente e continua a fornecer-nos com descobertas fantásticas. Para alguém dizer que já sabem tudo, quando o nosso conhecimento de genética e do cérebro (humano e canino) está incompleto, é ridículo.
A psicologia canina, ou mais correctamente, o estudo do comportamento animal, não é um completo mistério deixado à interpretação de alguns indivíduos. Enquanto que ainda existem muitas áreas onde o nosso entendimento ainda se encontra incompleto, existe um sem fim de informação cientificamente já provada à nossa disposição .
Muitos dos conceitos dogmáticos apresentados no programa de TV apelam a pessoas que, elas mesmo, acreditam ou repetem as mesmas frases acerca dos cães. No entanto, apenas porque algo é repetido frequentemente não o torna um facto científico. Os conceitos no programa de TV não correspondem de todo à realidade da natureza quando examinada de perto.

TEORIA DA DOMINÂNCIA: CÃES

Cães não são lobos domesticados. O cão doméstico é uma espécie separada que desenvolveu dos lobos à cerca de 14,000 anos atrás e exibem comportamentos que os lobos não têm. Também não demonstram comportamentos que lobos exibem, tais como regurgitar comida para os seus cachorros.

Em “Dogs: A Startling New Understanding of Canine Origin and Behaviour and Evolution” por Ray e Lorna Coppinger diz-se:

“Hoje em dia, a imprensa popular canina parece acreditar que se os cães descenderam dos lobos devem ter qualidades de lobos. Mas o modela de selecção natural aponta que as características dos lobos foram severamente modificadas. Os cães não pensam como lobos, nem se comportam como lobos.”

Observações feitas de cães em liberdade por todo o mundo revelam que enquanto os cães são animais sociais, são primariamente as manifestações de submissão que mantêm a paz, não as manifestações de dominância. Estes cães, muitas vezes referido com cães pariah, são mais necrófagos que predadores e como tal vivem vidas mais solitárias que os lobos, uma vez que não é do benefício de um necrófago partilhar os recursos limitados com um grupo grande de animais. Estes cães raramente formam matilhas, e quando o fazem, as matilhas têm estruturas livres e flexíveis com animais que entram e saem frequentemente, uma característica nunca vista em alcateias de lobos.

Para além do mais, muitas formas domesticadas de animais selvagens revertem, em regra geral, ás sua formas originais após serem selvagens de novo durante algumas gerações. Os cães, dos quais existem inúmeros exemplo pelo mundo fora, de tipos selvagens, nunca reverteram aos lobos nem em aparência nem em comportamento.
Todas estas evidências desmentem fortemente a noção romântica que os cães são versões fracas dos lobos.


Cesar Millan no seu programa de TV diz:

“ Se estudar o comportamento de uma matilha de cães, a primeira figura autoritária é a mãe, e a mãe imobiliza os cachorros no chão”.

Se alguém realmente estudar uma matilha de cães, assumindo que o que foi dito acima se refere a uma cadela com uma ninhada de cachorros, o que alguém veria é que a cadela na realidade usa muito pouco contacto com os cachorros para os disciplinar. Quanto mais física se torna a mãe, maior será o risco de magoar os seus cachorros. Na vez disso, ela levantasse e sai, removendo toda a sua atenção. Quando os cachorros são mais velhos e mais moveis, ela poderá usar sinais comunicativos como o arreganhar dos dentes e vocalizações para para o comportamento não desejados de um cachorro, mas assim que o cachorro pára, também pára a “correcção”.
Líderes em todos os animais, controlam recursos mais vezes do que controlam indivíduos através da força. Como foi dito por Myrna Milani, DVM, autora e veterinária etologista:

“...a marca de um verdadeiro líder é a habilidade de controlar sem o uso da força. E na realidade, animais selvagens que dependem da força bruta para manter o seu status são tipicamente eliminados do conjunto genético precisamente porque esta aproximação requer demasiada energia.”

Lutas de poder entre cães comunicam tanta liderança como um adulto a lutar com uma criança ou um ladrão de bancos armado a lutar com os seus reféns.

A realidade é a seguinte, através de um golpe de sorte evolucionaria, fomos abençoados com polegares o que nos dá acesso prioritário à maioria se não a todos os recursos que os cães querem. Ao manter o controlo desses recursos, incluindo comida, acesso e atenção e não lhes dar acesso às coisas gratuitamente ou só porque eles pedem, não é necessário entrar em lutas de poder com os cães. Nós já temos á partida tudo aquilo que os cães querem. Nos já somos à partida “dominantes”.

Métodos de treino baseados na dominância exigem do humano muita energia e são muito intensivos. Requerem que o humano reaja constantemente ás acções do cão, como por exemplo esticões da trela por rosnar, o que de qualquer forma coloca o cão na mesma à frente. Esta não é a forma como indivíduos “dominantes” se comportam – é no entanto, como se comportam indivíduos inseguros. Como tal, estes métodos comunicam insegurança, na vez de liderança.

Humanos não são nem cães nem lobos. Como tal quando tentamos imitar o seu comportamento, estamos geneticamente condenados a falhar. Falta-nos a fisiologia e a precisão para comunicar os mesmos sinais e correcções que os lobos ou cães usam uns com os outros.
Não somos cães e os nossos cães sabem disso. Também não somos lobos e os nossos cães também sabem disso. Despender energia a tentar sermos algo que não somos não vai comunicar liderança. No melhor, diverte os nossos cães. No pior, faz-nos perigosos e imprevisíveis aos seus olhos o que mais uma vez não comunica de forma nenhuma liderança.

Os que trabalham com lobos, incluindo lobos criados por homens, e raças de cães misturadas com lobos, sabem que os lobos não toleram serem manejados com força por humanos. Se a razão pela qual temos usado estes métodos nos nossos cães é por causa do comportamento dos lobos, e estes provocam respostas agressivas nos lobos, porque é que então continuamos a usar estes métodos nos lobos? Simplesmente porque eles nos deixam.
Existem formas não frontais de estabelecer regras e fronteiras para os cães, que não envolvem nem a força nem a intimidação. A maioria dos cães cede controle, necessitando para tal uma simples regras como as usadas nos programas NILIF (Nothing In Life Is Free), especialmente se não existiam regras nenhumas para começar.

EXERCÍCIO FÍSICO

No programa de televisão, é dada uma grande importância ao exercício como uma necessidade primária. Cães precisam de exercício. O seguinte não é uma tentativa de minimizar em nenhuma maneira a importância de exercício físico regular. No entanto, a maioria das raças de cães foram desenvolvidas para um trabalho particular que requer tanto exercício físico como exercício mental. Cães precisam de exercício mental tanto, e nalguns casos mesmo mais, do que exercício físico.

Estimulação mental, através da obediência, truques, agilidade ou outras actividades de trabalho satisfazem a necessidade de exercício físico e mental. Caminhar um cão numa trela curta poderá ser mais agradável para o humano, mas não dá ao cão grande exercício físico (uma vez que os cães caminham a um ritmo muito mais rápido que o nosso) e não permite ao cão estimulação mental através da exploração do ambiente através de actividades sem trela.
Exercícios de estimulação mental também satisfazem as necessidades físicas dos cães que são incapazes de se exercitar dados problemas médicos tais como artrite, displasia da anca ou outros.

Exercício Forçado tal como colocar um cão numa passadeira de correr, poderá satisfazer uma necessidade de correr, mas não fornece ao cão a opção de correr, nem dá ao cão estimulação mental, socialização ou interacção com o dono.

Falácia Comportamental. Você acabou de ter a pior semana da sua vida. Qual dos dois reduziria o seu stress e lhe daria um maior sentido de bem-estar? Um longo passeio pela praia ou uma longa correria a fugir de um urso?

Cães que são reactivos com outros cães, pessoas ou outros estímulos encontrados na rua, normalmente podem piorar de forem continuamente expostos a esses mesmos estímulos. Os níveis de stress do cão, incluindo cortisol e adrenalina, são elevados com cada passeio dado e cada exposição ao/s estímulo/s. Não só estes níveis elevados de hormonas levam a problemas comportamentais, como os níveis de cortisol diminuem as repostas de imunidade do sistema, deixando o cão mais susceptível a ficar doente.

Por isto é que programas de modificação comportamental começam por ensinar exercícios de controle próprio em ambientes com poucos estímulos, antes de lentamente introduzir o cão e níveis de estímulos mais elevados.

Uma necessidade primária? Uma necessidade primária para a sobrevivência de um cão, não é de facto o exercício. Se um cão passasse todo o seu tempo e energia a exercitar-se, não teria energia suficiente para estabelecer e proteger território, caçar ou criar os seus cachorros. Exercício é feito através destas acções e não na vez delas.
Para mais caminhar um cão de trela curta ao passo do dono (que é muito mais lento que o passo natural do cão) e sem a possibilidade de cheirar e explorar o ambiente, fornece ao cão muito pouco exercício. Mesmo que a necessidade primária de um cão fosse de facto exercício físico, este tipo de passeio não iria satisfazer as suas necessidades.
Treino e outras actividades fornecem os cães com ambas estimulação mental e física necessárias para o seu bem-estar. Um cão bem treinador é também um mais livre de poder desfrutar de actividades sem estar de trela.

DISCIPLINA E AFECTO: POSITIVO NÃO QUER DIZER PERMISSIVO

Com uma maior compreensão do comportamento, os especialistas de comportamento e treinadores usam, hoje em dia, métodos positivos para modificar mesmo o comportamento mais extremo em cães com resultados fantásticos. Isto inclui cães com problemas de agressão severa que podem estar a um passo da eutanásia ou cães em “zona vermelha”.
Isto não quer dizer, no entanto, que ao cão não são dadas regras nem limites ou que este só responde quando comida está presente. Treino positivo e métodos de modificação comportamental começam com o estabelecimento de limites e o controle dos recursos da vida de um cão, incluindo o afecto e a brincadeira que não são dadas ao cão gratuitamente. Isto é feito de uma forma que coloca o dono numa situação de sucesso, de forma a que este possa controlar a atenção do cão, mas continuar a gozar da sua companhia e afecto.

STRESS NOS CÃES

Uma das maiores preocupações que os especialistas têm em relação os programas de TV de Cesar Millan é que muitos dos cães mostram sinais claros de muito stress, alguns mesmo chegando ao ponto de morder a estrela do programa. Enquanto que a maioria das pessoas consegue reconhecer sinais de stress óbvios tais como ladrar, rosnar, mostrar os dentes, os cães demonstram muitos outros sinais de stress que são bem mais subtis antes de recorrerem aos sinais comunicativos mais óbvios. Alguns deste sinais incluem:


. Bocejar
· Aumento da respiração após quase nenhuma actividade/esforço físico
· Orelhas puxadas para trás
· Lamber repetido dos lábios e/ou nariz
· Aumento da perda de pelo
· Cauda baixa e corpo rente ao chão
· Movimentos tensos e lentos
· Virar da cabeça e olhos



Se um cão exibe repetidamente estes sinais durante o treino, está na altura de reavaliar ou os métodos de treino, ou o ambiente ou o comportamento do dono/treinador. Será o ambiente muito estimulante? Serão os métodos ou o equipamento dolorosos? Será que estamos a exigir muito do cão ou cedo demais?

Todos nós precisamos de stress para sobreviver. A fome é uma forma de stress. Se não sentíssemos fome, não comeríamos. No entanto, métodos humanos e amigáveis não representam apenas a ausência de dor, também representam a ausência de stress desnecessário. Um cão que é stressado até ao ponto da agressão, medo ou “learned helplessness” torna-se fisicamente incapacitado de aprender e qualquer tentativa de treino feito enquanto o cão está neste estado, é uma perda de tempo.

REABILITAÇÃO OU SUPRESSÃO?

Modificação comportamental é o processo de modificar as emoções do cão, gradualmente expondo-o (desensitização) ao estímulo (cão, pessoa, carro, etc.), e depois ensinando um comportamento alternativo (contra-condicionamento). Este processo mantém o cão a um nível abaixo do qual ele reage e gradualmente ensina o cão uma resposta mais desejável em situações de stress. Existe uma diferença entre suprimir um comportamento e modificar um comportamento.

Supressão é tipicamente feita através do uso da força ou “flooding” (inundação). Supressão do comportamento, cessa o comportamento no momento, mas requer que o dono do cão esteja constantemente a repetir os passos necessários vezes sem conta. Porque tantos donos de cães querem saber “o que faço quando o meu cão....” isto parece uma solução. No entanto, não está de facto a modificar a causa do comportamento.

Força inclui castigos tais como correcções verbais, correcções de trela, enterrar os dedos nas costas do cão, ou agarrar o seu cachaço. Também inclui forçar um cão a colocar-se de costas ou a deitar-se de lado. Enquanto que técnicas destas podem momentaneamente suprimir os sintomas (se não provocar uma resposta agressiva), o uso da força pode muitas vezes tornar o problema pior porque o cão forma um associação entre o castigo e o que o provoca (a pessoa, o local ou a coisa) e que provoca por sua vez a agressão ou um comportamento problemático. Em muitos casos, a frequência ou forma de castigo deve ser aumentado para manter a supressão.
Enquanto que existem formas de castigo que podem ser usadas de forma humana e efectiva para modificar problemas comportamentais de baixo nível, o uso de aversivos como vistos no programa de TV, suprimem os sintomas do comportamento por um período de tempo curto. A consequência deste tipo de técnica pode demorar meses ou anos a demonstrar-se.

Flooding (Inundação) Se tiver medo de aranhas, será que o seu medo delas diminuirá se eu lhe der uma massagem com um par de tarântulas? Flooding é a exposição forçada e prolongada a algo que não é ou que se tornou desagradável. Isto inclui empurrar um cão para uma piscina ou levar um cão que tem medo de cães para um local com dezenas de outros cães. Quando um cão é exposto a esta técnica eles podem desligar e não exibir nenhum comportamento (incluindo o que era um problema). Isto não é resolver o comportamento, embora assim o pareça porque o cão não demonstra sinais nem de agressão nem de nada, aliás o cão está praticamente inactivo.
Enquanto que a verdadeira modificação comportamental não é um processo rápido, e certamente não fornece programas televisivos mediáticos e sensacionalistas, os efeitos são mais permanentes do que aqueles ganhos ao suprimir o comportamento através do uso da força e do “flooding”.

CAUSAS MÉDICAS PARA PROBLEMAS COMPORTAMENTAIS

Nem todos os problemas comportamentais são o resultado de falta de treino, exercício, liderança ou disciplina. Existem muitas causas médicas para problemas comportamentais. Problemas em ensinar os cães a fazerem as necessidades na rua podem ser causa de infecções no trato urinário e agressão pode ser uma reacção à dor causada por uma doença. Agressão pode ser accionada por um fertimento ou doença como o hipertiroidismo.

Num episódio recente de “I’ts Me or the Dog”um Bulldog americano que estava a exibir comportamentos agressivos a visitantes foi diagnosticado com hipertiroidismo após o treinador aconselhar um check-up veterinário. Antes disso os donos deste cão não faziam ideia que ele sofria de uma doença que estava a contribuir para este comportamento.

Também existem comportamentos que não têm causas físicas, mas mentais, tais como desordens compulsivas. Um vídeo muito popular no You Tube mostra um cão a atacar o seu próprio pé. Este é um exemplo excelente de um problema compulsivo. Problemas como estes não são modificados com exercício , liderança ou disciplina.
Um profissional qualificado reconhece quando um problema comportamental poderá ter uma causa médica e irá referir um veterinário antes de tentar qualquer tipo de modificação comportamental.
Qualquer modificação comportamental súbita num cão deverá ser sempre discutida com um veterinário.

CONCLUSÃO
Será o exercício físico importante? Sem dúvida! Os cães precisam de limites? Certamente! Será que as pessoas precisam de parar de tratar os seus cães como humanos e tornarem-se menos permissivos? Claro que sim! Mas COMO atingimos estes objectivos é que é importante.
Uma compreensão básica de comportamento canino poderá dar aos donos de um cão o conhecimento que estes precisam para determinar os métodos de treino que melhor se adequam a e evitar aqueles métodos que não são baseados na ciência da aprendizagem e comportamento e que usam frases sonantes para vender métodos antiquados e potencialmente perigosos em pacotes apelativos ao grande público.

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