Enquanto especialista de comportamento, treinadores e outros profissionais do mundo canino reconhecem que o programa expõe os donos de cães á possibilidade de modificar o comportamento dos seus cães, o programa dá a falsa impressão que o comportamento pode ser modificado numa questão de horas. Profissionais estão também preocupados com os métodos usados, uma vez que muitos dos métodos são conhecidos por incentivar comportamentos agressivos.
Este artigo irá explorar os temas controversos e tentará separar os factos do marketing. Sempre que possível, links adicionais ou recomendações de livros serão dadas como referência ou como forma de desenvolver um determinado assunto.
A psicologia canina, ou mais correctamente, o estudo do comportamento animal, não é um completo mistério deixado à interpretação de alguns indivíduos. Enquanto que ainda existem muitas áreas onde o nosso entendimento ainda se encontra incompleto, existe um sem fim de informação cientificamente já provada à nossa disposição .
Muitos dos conceitos dogmáticos apresentados no programa de TV apelam a pessoas que, elas mesmo, acreditam ou repetem as mesmas frases acerca dos cães. No entanto, apenas porque algo é repetido frequentemente não o torna um facto científico. Os conceitos no programa de TV não correspondem de todo à realidade da natureza quando examinada de perto.
TEORIA DA DOMINÂNCIA: CÃES
Em “Dogs: A Startling New Understanding of Canine Origin and Behaviour and Evolution” por Ray e Lorna Coppinger diz-se:
“Hoje em dia, a imprensa popular canina parece acreditar que se os cães descenderam dos lobos devem ter qualidades de lobos. Mas o modela de selecção natural aponta que as características dos lobos foram severamente modificadas. Os cães não pensam como lobos, nem se comportam como lobos.”
Todas estas evidências desmentem fortemente a noção romântica que os cães são versões fracas dos lobos.
Cesar Millan no seu programa de TV diz:
Métodos de treino baseados na dominância exigem do humano muita energia e são muito intensivos. Requerem que o humano reaja constantemente ás acções do cão, como por exemplo esticões da trela por rosnar, o que de qualquer forma coloca o cão na mesma à frente. Esta não é a forma como indivíduos “dominantes” se comportam – é no entanto, como se comportam indivíduos inseguros. Como tal, estes métodos comunicam insegurança, na vez de liderança.
Humanos não são nem cães nem lobos. Como tal quando tentamos imitar o seu comportamento, estamos geneticamente condenados a falhar. Falta-nos a fisiologia e a precisão para comunicar os mesmos sinais e correcções que os lobos ou cães usam uns com os outros.
Não somos cães e os nossos cães sabem disso. Também não somos lobos e os nossos cães também sabem disso. Despender energia a tentar sermos algo que não somos não vai comunicar liderança. No melhor, diverte os nossos cães. No pior, faz-nos perigosos e imprevisíveis aos seus olhos o que mais uma vez não comunica de forma nenhuma liderança.
Os que trabalham com lobos, incluindo lobos criados por homens, e raças de cães misturadas com lobos, sabem que os lobos não toleram serem manejados com força por humanos. Se a razão pela qual temos usado estes métodos nos nossos cães é por causa do comportamento dos lobos, e estes provocam respostas agressivas nos lobos, porque é que então continuamos a usar estes métodos nos lobos? Simplesmente porque eles nos deixam.
Existem formas não frontais de estabelecer regras e fronteiras para os cães, que não envolvem nem a força nem a intimidação. A maioria dos cães cede controle, necessitando para tal uma simples regras como as usadas nos programas NILIF (Nothing In Life Is Free), especialmente se não existiam regras nenhumas para começar.
EXERCÍCIO FÍSICO
Exercícios de estimulação mental também satisfazem as necessidades físicas dos cães que são incapazes de se exercitar dados problemas médicos tais como artrite, displasia da anca ou outros.
Cães que são reactivos com outros cães, pessoas ou outros estímulos encontrados na rua, normalmente podem piorar de forem continuamente expostos a esses mesmos estímulos. Os níveis de stress do cão, incluindo cortisol e adrenalina, são elevados com cada passeio dado e cada exposição ao/s estímulo/s. Não só estes níveis elevados de hormonas levam a problemas comportamentais, como os níveis de cortisol diminuem as repostas de imunidade do sistema, deixando o cão mais susceptível a ficar doente.
Para mais caminhar um cão de trela curta ao passo do dono (que é muito mais lento que o passo natural do cão) e sem a possibilidade de cheirar e explorar o ambiente, fornece ao cão muito pouco exercício. Mesmo que a necessidade primária de um cão fosse de facto exercício físico, este tipo de passeio não iria satisfazer as suas necessidades.
Treino e outras actividades fornecem os cães com ambas estimulação mental e física necessárias para o seu bem-estar. Um cão bem treinador é também um mais livre de poder desfrutar de actividades sem estar de trela.
DISCIPLINA E AFECTO: POSITIVO NÃO QUER DIZER PERMISSIVO
Com uma maior compreensão do comportamento, os especialistas de comportamento e treinadores usam, hoje em dia, métodos positivos para modificar mesmo o comportamento mais extremo em cães com resultados fantásticos. Isto inclui cães com problemas de agressão severa que podem estar a um passo da eutanásia ou cães em “zona vermelha”.
Isto não quer dizer, no entanto, que ao cão não são dadas regras nem limites ou que este só responde quando comida está presente. Treino positivo e métodos de modificação comportamental começam com o estabelecimento de limites e o controle dos recursos da vida de um cão, incluindo o afecto e a brincadeira que não são dadas ao cão gratuitamente. Isto é feito de uma forma que coloca o dono numa situação de sucesso, de forma a que este possa controlar a atenção do cão, mas continuar a gozar da sua companhia e afecto.
STRESS NOS CÃES
Uma das maiores preocupações que os especialistas têm em relação os programas de TV de Cesar Millan é que muitos dos cães mostram sinais claros de muito stress, alguns mesmo chegando ao ponto de morder a estrela do programa. Enquanto que a maioria das pessoas consegue reconhecer sinais de stress óbvios tais como ladrar, rosnar, mostrar os dentes, os cães demonstram muitos outros sinais de stress que são bem mais subtis antes de recorrerem aos sinais comunicativos mais óbvios. Alguns deste sinais incluem:
. Bocejar
· Aumento da respiração após quase nenhuma actividade/esforço físico
· Orelhas puxadas para trás
· Lamber repetido dos lábios e/ou nariz
· Aumento da perda de pelo
· Cauda baixa e corpo rente ao chão
· Movimentos tensos e lentos
· Virar da cabeça e olhos
Se um cão exibe repetidamente estes sinais durante o treino, está na altura de reavaliar ou os métodos de treino, ou o ambiente ou o comportamento do dono/treinador. Será o ambiente muito estimulante? Serão os métodos ou o equipamento dolorosos? Será que estamos a exigir muito do cão ou cedo demais?
Todos nós precisamos de stress para sobreviver. A fome é uma forma de stress. Se não sentíssemos fome, não comeríamos. No entanto, métodos humanos e amigáveis não representam apenas a ausência de dor, também representam a ausência de stress desnecessário. Um cão que é stressado até ao ponto da agressão, medo ou “learned helplessness” torna-se fisicamente incapacitado de aprender e qualquer tentativa de treino feito enquanto o cão está neste estado, é uma perda de tempo.
REABILITAÇÃO OU SUPRESSÃO?
Supressão é tipicamente feita através do uso da força ou “flooding” (inundação). Supressão do comportamento, cessa o comportamento no momento, mas requer que o dono do cão esteja constantemente a repetir os passos necessários vezes sem conta. Porque tantos donos de cães querem saber “o que faço quando o meu cão....” isto parece uma solução. No entanto, não está de facto a modificar a causa do comportamento.
Força inclui castigos tais como correcções verbais, correcções de trela, enterrar os dedos nas costas do cão, ou agarrar o seu cachaço. Também inclui forçar um cão a colocar-se de costas ou a deitar-se de lado. Enquanto que técnicas destas podem momentaneamente suprimir os sintomas (se não provocar uma resposta agressiva), o uso da força pode muitas vezes tornar o problema pior porque o cão forma um associação entre o castigo e o que o provoca (a pessoa, o local ou a coisa) e que provoca por sua vez a agressão ou um comportamento problemático. Em muitos casos, a frequência ou forma de castigo deve ser aumentado para manter a supressão.
Enquanto que existem formas de castigo que podem ser usadas de forma humana e efectiva para modificar problemas comportamentais de baixo nível, o uso de aversivos como vistos no programa de TV, suprimem os sintomas do comportamento por um período de tempo curto. A consequência deste tipo de técnica pode demorar meses ou anos a demonstrar-se.
Flooding (Inundação) Se tiver medo de aranhas, será que o seu medo delas diminuirá se eu lhe der uma massagem com um par de tarântulas? Flooding é a exposição forçada e prolongada a algo que não é ou que se tornou desagradável. Isto inclui empurrar um cão para uma piscina ou levar um cão que tem medo de cães para um local com dezenas de outros cães. Quando um cão é exposto a esta técnica eles podem desligar e não exibir nenhum comportamento (incluindo o que era um problema). Isto não é resolver o comportamento, embora assim o pareça porque o cão não demonstra sinais nem de agressão nem de nada, aliás o cão está praticamente inactivo.
Enquanto que a verdadeira modificação comportamental não é um processo rápido, e certamente não fornece programas televisivos mediáticos e sensacionalistas, os efeitos são mais permanentes do que aqueles ganhos ao suprimir o comportamento através do uso da força e do “flooding”.
CAUSAS MÉDICAS PARA PROBLEMAS COMPORTAMENTAIS
Num episódio recente de “I’ts Me or the Dog”um Bulldog americano que estava a exibir comportamentos agressivos a visitantes foi diagnosticado com hipertiroidismo após o treinador aconselhar um check-up veterinário. Antes disso os donos deste cão não faziam ideia que ele sofria de uma doença que estava a contribuir para este comportamento.
Um profissional qualificado reconhece quando um problema comportamental poderá ter uma causa médica e irá referir um veterinário antes de tentar qualquer tipo de modificação comportamental.
Qualquer modificação comportamental súbita num cão deverá ser sempre discutida com um veterinário.
CONCLUSÃO
Uma compreensão básica de comportamento canino poderá dar aos donos de um cão o conhecimento que estes precisam para determinar os métodos de treino que melhor se adequam a e evitar aqueles métodos que não são baseados na ciência da aprendizagem e comportamento e que usam frases sonantes para vender métodos antiquados e potencialmente perigosos em pacotes apelativos ao grande público.
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