quarta-feira, 27 de abril de 2011

O CONCEITO PREVIAMENTE DESCRITO COMO “DOMINÂNCIA”

artigo escrito por Patricia Macconnell Etóloga e Treinadora de cães no seu blog The Other End of the Leash







Ah, lá vou eu saltar para a batalha! De certa forma, eu adoraria evitar este tópico, porque como a maioria de vocês sabe, as conversas acerca da palavra “D” causam discussões que fazem os debates acerca dos sistemas de saúde parecerem um dia no SPA. Mas eu considero o tema importante e merece consideração. Por isso, EEEEE HAH! Cá vamos nós.

Este post será apenas o início, porque o tema da dominância e dos relacionamentos sociais é na realidade longo e eu quero apenas facilitar o pensamento e a discussão saudável acerca deste tema nos cães. Como muitos de vocês sabem, algumas pessoas acham que todos os nossos problemas com os cães estão relacionados com “dominância” e aconselham os donos a “ser o cão alpha”. Do outro lado do espectro, outros argumentam que a “dominância” e até mesmo o conceito de “status social” são completamente irrelevantes para o comportamento do cão, e que o termo deveria ser completamente eliminado do nosso vocabulário. Eu não concordo com nenhum destes extremos (mas estou bem mais do lado de um do que do outro!), portanto segurem-se!

Antes de mais, seria bom começar com uma definição. A simples definição de dominância como é usada pelo público em geral é algo como: “ controlo ou comando sobre outros”. No entanto, (e este é um grande “no entanto”) essa NÃO é a definição usada pelos profissionais que estudam comportamento animal e que cunharam o termo para descrever um tipo de relacionamento social em animais não-humanos. Em termos etológicos, “dominância” refere-se a “acesso prioritário a um recurso limitado”. Por outras palavras, se existir apenas uma mesa livre num restaurante, quem vai ficar com ela? Você, ou a actriz famosa que está à espera?

Se pensarmos nos cães, se alguém largasse uma febra de porco entre dois cães, quem ficaria com ela? Se vocês repetir esta acção muitas vezes e sempre o mesmo cão ficar com a costeleta, esse cão é descrito na literatura como “dominante” sobre o outro, SE ambos os cães quisessem a febra de igual forma. O cão “dominante” poderia ter acesso prioritário à comida de diversas formas; ele podia simplesmente olhar directamente para o outro cão, poderia tentar sem mais rápido que o outro, ou podia lutar para ter acesso ao mesmo. O problema é que as brigas são perigosas e um predador pode rasgar a pele de um veado com a boca. (Para saber o poder dos maxilares de um cão, tente fazer um rasgão com a boca numa carteira de cabedal. Se você conseguir, por favor envie o vídeo…aliás envie o vídeo mesmo que não seja bem sucedido!).

O potencial de dano causado por predadores sociais, é o motivo pelo qual muitos dizem que se desenvolveram hierarquias sociais nos animais, como os lobos. (Sim, eu sei que cães não são lobos. Passo a explicar). Se cada vez que um tivesse que lutar para conseguir o que quer, os genes que predispõe um indivíduo a lutar seriam eliminados do pool genético. Essa é a explicação para a existência de hierarquias sociais: elas permitem que indivíduos tenham acesso prioritário sem ter que lutar pelo recurso sem que este está disponível. Notem que lutas sérias ocorrem nalgumas espécies: em muitos animais ungulados (animais com hastes), os machos lutam todas as épocas de acasalamento pelo acesso prioritário às fêmeas. Estes são continuamente desafiados por outros machos, e despendem tanta energia a proteger as fêmeas que mesmo que não saiam magoados ou sejam mortos numa luta muitas vezes morrem durante o inverno por não terem passado tempo suficiente durante o Outono a comer para produzir suficiente gordura corporal que os suporte durante o Inverno. No entanto, antes de amadurecerem, jovens ungulados passam anos em “grupos de solteiros”, nos quais brincam às lutas, mas nenhum tem acesso prioritário a nada durante esse período. A sua comida está dispersa e o único “recurso” pelo qual competem são as fêmeas durante o período de acasalamento. Tal como este exemplo dos Veados mostra, um “recurso” pode ser muitas coisas, desde uma costeleta de porco, a um local onde dormir, a uma fêmea em cio. Mas, lembrem-se que a palavra “D” refere-se “ao acesso prioritário a um recurso” e a nada mais.






Aqui está o que a “dominância” NÃO É:

Não está relacionada com o poder de decisão acerca das acções do grupo ou de um indivíduo. Não existe na literatura nenhuma relação entre quem decide para onde vão, quando vão e o que fazem.

Não está relacionada com “quem vai à frente” (nos predadores, o membro “dominante” do grupo está muitas vezes no meio da manada se o grupo está a circular por zonas perigosas).

Não é fixa nem imutável: quem “tem dominância” pode variar conforme o tempo (à medida que um indivíduo envelhece por exemplo), conforme o espaço (um indivíduo pode tê-la num local e não noutro) e conforme o contexto (talvez um indivíduo dominante não goste de febras de porco). Em algumas espécies parece ser linear (como nas galinhas, por exemplo, onde a A está acima da B, a B acima de C e A sempre acima das C). Na maioria das sociedades dos animais mamíferos, a hierarquia é não-linear e muito, muito mais fluida e complicada.

É extremamente influenciada pela distribuição de recursos: “amontoados de recursos de alta qualidade” tendem a exagerar hierarquias sociais, o que provavelmente vem explicar porque é que lobos em cativeiro vivem obcecados por hierarquias, enquanto que lobos no seu ambiente natural parecem ser mais relaxados com os assuntos relacionados com status social (tenha isto em mente quando falarmos de cães ferais versos cães com dono).

É usualmente mantida através de displays visuais e químicos que são inatos e são específicos à própria espécie. Pode ser adquirida numa luta inicial na qual um indivíduo ganha e outro perde, ou, mais comum, por um conjunto de displays específicos da espécie. (Pense na cauda alta, orelhas erectas e postura corporal dianteira num lobo em cativeiro). Se o indivíduo continuar a lutar pelo recurso, então é estabelecida uma hierarquia.

Não é um relacionamento desejado por todos os indivíduos da mesma forma. Em sociedades sociais complexas, nem todos querem ser os primeiros da linha. Na nossa espécie, por exemplo, algumas pessoas adoram obter o status associado à fama, enquanto outros iriam considerar a possibilidade de ter acesso a uma mesa num restaurante uma troca pobre pela sua privacidade e iriam evita-la a todo o custo. Nalgumas espécies, um status alto esta associado com um aumento de responsabilidade, que pode ser um fardo pesado.

No meu próximo post, vou escrever como este termo se relaciona com os cães domésticos. Mas digo já que o termo “dominância” no treino de cães, está tão disseminado que causam etólogos como eu querer espetar lápis nos olhos. Os exemplo são intermináveis: “O seu cão não vem enquanto não o aceitar como alpha!” (Uh, não é relevante, ver acima). “Ensine ao seu cão um “deita dominante” e ele irá respeitá-lo de manhã!” (Uh, não é relevante, ver acima). Eu suspeito que muito disto vem das duas diferentes definições de dominância usada pelos biólogos e pelo público em geral. Eu também penso, embora admita estar a adivinhar, que a nossa espécie ama a ideia de controlo e algo que sugira que podemos fazê-lo de forma rápido é sedutor. Seja qual for o motivo, o uso errado do conceito de dominância está disseminado.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

DOMINÂNCIA CANINA: SERÁ O CONCEITO DE CÃO ALFA VÁLIDO??

Artigo traduzido com autorização daqui escrito pelo Dr. Stanley Coren publicado no website Psychology Today

Estudos actuais, desafiam a ideia do cão alfa


Para que quase todas as discussões acerca de treino de cães e de comportamento de cães acabam no tema da dominância. Aos donos de cães é dito que devem ser “os líderes da matilha” e “os alfas na sua casa”. Um motivo pelo qual este assunto se tornou tão comum deve-se à recente popularidade de Cesar Millan que se auto-entitulou de “Encantador de Cães” e que popularizou o uso de métodos baseados na força para exercer dominância em cães “difíceis”.


Os métodos usados por Millan são motivo de controvérsia no mundo dos treinadores, comportamentalistas e pesquisadores caninos. Para começar, o uso do nome “encantador de cães” parece estranho, uma vez que é uma adaptação do termo “encantador de cavalos” que foi usado para descrever pessoas como Willis J. Powell e Monty Roberts. Eles eram apelidados de “encantadores” porque abandonaram o uso da força que era a forma mais comum de lidar com cavalos difíceis e agressivos e usavam métodos muito mais gentis.


As técnicas usadas por Cesar Millan fizeram com que profissionais tais como Jean Donaldson, directora da ASPCA academia para treinadores de cães de São Francisco, comentarem que: “ uma profissão que tem feito constante evoluções a nível de profissionalismo, sofisticação tecnológica e standards humanos foi empurrada para trás… Usar uma palavra como “encantador” para usar métodos arcaicos, violentos e tecnicamente fracos é uma falta de consciência”. Ela estava suficientemente aborrecida para em colaboração com o Dr. Dunbar, que é um respeitado comportamentalista canino, graduado em medicina veterinária e mestrado em psicologia, produzirem um DVD intitulado “Fighting Dominance in a Dog Whispering World” que ataca especificamente os métodos usados no programa de Millan.
No entanto, ao invés de nos focarmos no Cesar Millan e nas suas técnicas de treino, existe uma questão fundamental que deve ser abordada, nomeadamente, será o conceito de dominância canina – especificamente a ideia de que o lobo alfa é o líder da matilha – válido?

A explicação original da diferença básica entre dominância e submissão nos cães vem de Konrad Lorenz no seu livro “king’s Solomon Ring” (1949). Lorenz, que foi um etólogo vencedor de um prémio Nobel e comportamentalista animal, baseou a sua ideia nas observações dos seus próprios cães. Se um cão se tornava agressivo e poderoso (dominante) o outro cão reconhecia esse poder rolando de barriga para cima (submissão). Lorenz achou que os humanos também tinham que ter um relacionamento dominante com os cães, porque ele quando agredia ou ameaçava um dos seus cães eles agiam de forma semelhante à submissão perante ele.


O pensamento dos cientista reflecte sempre a cultura e crenças da era histórica e do local onde se enquadram. Lorenz nasceu na Austria em 1903. O seu pensamento acerca dos cães, era sem dúvida influenciado pelos métodos de treino comuns na altura, muitos dos quais desenvolvidos pelos militares alemães para ensinar cães de guerra. Os métodos usados para treinar esses cães reflectiam as atitudes dos militares da altura e era baseadas em disciplina rígida suportada por força quando necessário. Algumas ferramentas que na altura foram desenvolvidas para treino reflectem esta atitude, como uma trela entrançada e rígida no final que era virada do avesso e usada como chicote se o cão não obedecia.


O Coronel Konrad Lorenz sumarizou a filosofia germânica quando escreveu: “ Na ausência de compulsão nem a educação humana nem o treino canino são possíveis. Até o dono de cão mais gentil não poderá chegar a termo com o seu companheiro sem alguma forma de compulsão”. Por outra palavras, é necessário usar força para estabelecer dominância e depois usar essa dominância para controlar o comportamento do cão.
A primeira pesquisa acerca de comportamento de lobos, parecia apoiar a ideia de uma hierarquia social rígida do tipo militar, usualmente apoiada nos confrontamentos físicos que iriam estabelecer o líder – “ lobo alfa” – que mantinha a sua liderança através da força e da intimidação. Infelizmente, pesquisas posteriores demonstram que esta é uma visão errada e artificial da organização social canina.

David L. Mech, cientista Sénior para o departamento do Interior Americano, foi uma das primeiras pessoas a estudar o comportamento dos lobos no ambiente natural. No seu livro em 1970, ele foi influenciado pelos conceitos antigos, tais como os de Lorenz e referiu-se ao líder da matilha de lobos como o “alfa”. Olhando para trás, e passados 40 anos, ele chegou à conclusão da dubiedade deste conceito. Ele agora duvida da utilidade de tal conceito simplesmente porque implica que o lobo lutou para determinar dominância.


Na realidade, quando chegam à idade matura, os lobos deixam a sua matilha natural para procriar e ter ninhadas que depois se irão transformar na nova matilha. A dominância existe da mesma forma que os pais humanos dominam os seus filhos, pelo menos enquanto estes vivem na família. Tal como nas famílias humanas, os pais estabelecem regras e os filhos entendem-se entre eles. Por causa desta descoberta, o Dr. David Mech prefere não usar o termo alfa e usar o termo “macho ou fêmea que procria” ou simplesmente o lobo pai e a loba mãe. A ideia do alfa parece ser real apenas em matilhas artificiais quando vários indivíduos não relacionados, são colocados numa mesma matilha, em cativeiro, e onde existem vários lobos em idade de procriar. Nestes grupos artificiais, os animais costestam uma liderança e um lobo alfa irá surgir.

Claro que lobos não são cães, por isso vamos olhar para a mais recente pesquisa (2010) efectuada por Roberto Bonanni na Universidade de Parma. Eles observaram matilhas de cães ferais em Itália e descobriram que a liderança era algo muito fluente. Por exemplo, numa matilha com 27 membros, 6 dos cães habitualmente lideravam à vez. Os cães que habitualmente lideravam o grupo eram usualmente os mais velhos, os mais experiente, mas não necessariamente os mais dominantes. A matilha parecia permitir a liderança a cães que em alturas particulares poderiam contribuir para o bem-estar geral do grupo através do seu conhecimento em aceder a recursos de interesse.

O motivo pelo qual tudo isto é importante, é porque nos diz (independentemente das preocupações acerca do uso excessivo da força) que as técnicas usadas pelo Cesar Millan, e por muitos outros treinadores que usam conceitos do tipo militar da hierarquia social dos cães como base para o treino e resolução de comportamentos, é baseada numa premissa falsa. É uma ideia que originou do treino de cães pelos militares germânicos na viragem do século passado e da generalização das pesquisas acerca de lobos antigas elaboradas em lobos de matilhas artificiais.

Talvez esteja na altura de rever os nossos conceitos de treino e obediência e pensar nas linhas propostas pelos treinadores que advocam o treino com reforço positivo. Nessa perspectiva, o controlo do comportamento do cão é obtido através do controlo de tudo aquilo que o cão quer e precisa, tal como comida, interacção social, ao invés de se basear na força para atingir aquilo que a ciência hoje em dia chama de uma dominância artificial sobre o cão. Se você controlar os recursos, o cão irá responder por interesse próprio. Como tal esta aproximação à modificação comportamental tem o mesmo efeito que uma dominância imposta através da força para controlar o comportamento do cão. No entanto, ao invés duma “dominância” baseada na força, intimidação e ameaças, o reforço positivo aproxima-se mais do estabelecimento do status social. Qualquer um pode responder ao controlo imposto por alguém de status mais elevado, mas é feito não por medo, mas por respeito e antecipação de recompensas que podem ser esperadas se o fizerem.

Stanley Coren é o autor de muitos livros incluindo: The Modern Dog, Why Do Dogs Have Wet Noses? The Pawprints of History, How Dogs Think, How To Speak Dog, Why We Love the Dogs We Do, What Do Dogs Know? The Intelligence of Dogs, Why Does My Dog Act That Way? Understanding Dogs for Dummies, Sleep Thieves, The Left-hander Syndrome