sexta-feira, 19 de novembro de 2010

TENS É CIÚMES!




Desde que me tornei uma treinadora de cães que ouço falar do Cesar Millan.

Não é segredo que treinadores que usam reforço positivo e tenham estudade a ciência da aprendizagem e comportamento usando-a para educar, treinar ou modificar comportamentos nos cães, não são fãs das técnicas usadas por este treinador – eu sou uma dessas treinadoras.

Quando comecei a informar as pessoas acerca dos métodos demonstrados no seu programa, tornei-me no alvo de criticas severas por aqueles que viam e gostavam do programa.

Com o tempo, apercebi-me de algo muito importante; apercebi-me que aqueles que falavam a favor do Cesar , faziam-no porque gostam do próprio Cesar, não tendo muito haver com métodos de treino.

Eles não falam a favor dele para justificar as suas técnicas, porque como não as entendem, como poderiam fazê-lo? As suas intervenções vão desde: “Tens é ciúmes!” até “Se ele não fizesse isso o cão seria eutanasiado” ou “Cesar Rocks!”.
No entanto, nenhum destes comentários mostram um verdadeiro conhecimento do que é que se vê na televisão, o que acontece quando alguém aplica uma técnica como o flooding, ou do que é que estamos a falar quando dizemos que o cão está em learned helplessness.

Também falo activamente contra o uso de quaisquer instrumentos de treino que têm por objectivo magoar ou pior bloquear as vias aéreas prevenindo o cão de....bom...respirar. Em resposta a isto normalmente sou confrontada com : “estranguladoras não magoam”, “ele está a fazer aquilo para salvar o cão” (note bem o “salvar o cão”) e é claro o velho “Tens é ciúmes”.

Portanto, será que estas pessoas acreditam mesmo que quando ele pendura um cão pela estranguladora que o cão consegue respirar? Será que acreditam mesmo que alguém não está a estrangular um cão ao aplicar pressão contínua no seu pescoço? Ou será que estão apenas à procura de motivos para justicar o que ele está a fazer?

Em quase todos os cursos ou seminários que dou, mostro episódios do Encantador de Cães. Faço-o porque sei que os donos de cães, não sabem o que devem procurar, ou o que devem ver. Faço-o especialmente porque acredito que se essas pessoas tiverem primeiro acesso à informação, irão invariavelmente e sózinhos “ver” as coisas de forma diferente. Portanto antes de lhes mostrar os vídeos, falo acerca do que é flooding e learned helplessness e explico as consequências do uso de reforço negativo e castigo positivo (e também explico o que estes são).

Explico por palavras simples, o que é que um cão poderá estar a sentir, quando tem muito medo de algo e é confrontado com esse algo de forma abrupta, sem escapatória e sendo punido sempre que expressa esse mesmo medo. Não é ciência nuclear, e a maioria das pessoas entendem.

A maioria das pessoas que depois veêm estes videos, reagem como se fosse a primeira vez que os estivessem a ver (felizmente para algumas pessoas é mesmo a primeira vez). Subitamente eles apercebem-se das coisas de forma diferente e eu deixo que ele tirem as suas próprias conclusões. Eu sei que algumas pessoas irão resistir e vão para casa sem estarem convencidos. Eles irão continuar a ver os seus programas e sentir-se-ão resistentes a aceitarem que existem outras formas de fazer as coisas.

Eu acho que eles se sentem traídos e que é isso que causa tanta resistência, porque imagino que é isso que uma pessoa sente se admitir que as técnicas que veêm e nas quais acreditavam não são o que eles pensavam ser, pelo menos foi assim que eu me senti. Eles provavelmente sentir-se-ão traídos pelo homem que disse “é assim que se faz”, “não faz mal fazer assim”, “é assim que se resolve este problema”.

Mas há mais! Existe a National Geographic por trás disto. Afinal de contas a National Geographic é para algumas pessoas o canal, revista e NOME de referência para programas acerca da natureza e dos animais.

Certamente a NG não iria apoiar um treinador que fizesse algo tão errado com os cães, não é? Bom, não é bem assim. A NG é apenas um canal de televisão, e como qualquer outro canal de televisão precisa de audiências para pagar as contas, ser notado e bem sucedido. De forma a tornar a NG um canal de sucesso, eles não contratam biólogos, etólogos ou treinadores para produzir um programa de treino de cães. Eles contratam produtores, promotores e todas as pessoas que são peritas a fazer dinheiro para o canal. E essas pessoas fazem-no muito bem! Eles não sabem nada acerca de cães, eles apenas querem fazer um programa que seja um sucesso e chegue às grandes audiências.

O programa precisa de ter uma música estranha, uma voz back-off e palavras chave tais como: energia, besta, domar, submissivo, atacar, zona vermelha, perigoso, curar, salvar e encantar. Uma das pessoas que trabalha com o Cesar é visto num dos seus Dvds a explicar como ele foi contratado para atiçar os cães antes das gravações começarem. Eles não podem ter um cão calmo e relaxado, eles precisam de um cão extremamente agitado, especialmente agressivo para se poder fazer um bom programa.

Portanto se o princípio é colocar o cão numa situação extrema, atiçando-o e fazendo-o demonstrar comportamentos inapropriados de propósito, então não existe espaço para ensinar ou aprender, apenas para o drama e um bom programa de televisão.

Você consegue imaginar um treinador numa situação destas a dizer: “Bom, vamos dessensibilizar o seu cão à mota e gradualmente expo-lo ao estímulo mantendo-o abaixo da linha de reacção”...primeiro construir um relacionamento com o cão, preparando-o para ser bem sucedido mantendo-o calmo e controlado, de forma a que se aperceba exactamente do que se passa ao seu redor e possa aprender e posteriormente apresentá-lo à mota a uma distância segura e gradualmente mudar o seu estado emotivo interno, tornando medo em expectativa e alegria. Soa muito bem, mas seria um programa de TV muito chato.

Serás que seria eficaz? Bom, para o cão muito, ele aprenderia a adorar motas para sempre e duma forma divertida! Milhares de treinadores pelo mundo fora, lidam com cães agressivos ou com outros problemas de comportamento desta forma e são capazes de tornar cães agressivos, medrosos ou problemáticos em cães sociáveis, alegres e bons companheiros. Mas e seria bom para o canal de televisão? Nem por isso, um programa desses não teria mordidas, gritos, ganidos, ladridos, cães a tentarem respirar, o que iria significar ausência de drama e que por sua vez significaria menos audiências.

Portanto sim, eles endorsam e fazem um programa de tv com um treinador de cães cujos métodos são antiquados e causam danos e consequências para os cães e para os donos dos que tentam estes métodos em casa (e são muitos os que tentam).

Mas existirão sempre aqueles cépticos, aqueles que preferem pensar que o mundo não é governado por dinheiro e interesses materiais, e vão acreditar que a NG mostra o Encantador de Cães porque ele é o melhor treinador de cães do mundo (mesmo que anteriormente ao programa ele fosse apenas mais um treinador) e que o Cesar faz o que faz porque ele não tem escolha e porque salva cães. Especialmente porque “Cesar rocks” e claro “Temos é ciúmes!”.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Convencional vs Positivo por Sherri @ Just Dogs with Sheri


Este artigo foi traduzido do artigo Revisiting conventional vs. positive reinforcement escrito por Sherri retirado do seu blog Just Dogs with Sherri


Alguns tópicos precisam de ser revistos de vez em quando. Isto acontece por eu ver este comportamento repetido vezes sem conta quando saio com os meus cães. Hoje fui com o meu marido ao parque onde ele vai correr com o Luke e eu passeio com os outros cães. Assim que cheguei lá vi uma mulher a passear os seus 3 cães, costumo vê-la muitas vezes. Os cães dela estavam a reagir a alguns cães que estavam a passar perto, ela virou-se e deu um pontapé num deles (ao estilo César Millan).
O meu marido perguntou se eu tinha visto aquilo e depois perguntou-me porque raio é que ela fez aquilo. Entramos numa grande discussão; convencional vs positivo.

Antes de mais uma pequena historia, um dia estava a comprar mobília com a minha filha e após ter escolhido vários itens que queria, dei a senhora que nos vendeu esses itens o meu número de telefone e o meu cartão. Ela pensou que era interessante que eu fosse uma fotógrafa de cães e falou-me da sua labradora. Ela também disse que estava a procura de um treinador, que já tinha ido a uma aula privada com um outro mas que não tinha a certeza se queria voltar. Ela contou-me que o treinador deu esticões na coleira do seu cão e que se tornou tão agressivo com a sua labradora que ela intimidada urinou durante a aula.

Ela perguntou-me se eu achava isto normal e sei que ela notou que fiz uma careta. Pela sua cara eu vi que ela já sabia qual era a minha resposta antes de abrir a boca. O meu coração dói quando ouço historias como estas, imaginem a pobre labradora nas mãos deste bruta montes? A um cliente meu, á uns anos atrás, foi-lhe dito que ele e a sua esposa iam estragar o seu cão que era um lindo e sociável cachorro Golden Retriever. Eles foram convencidos a deixar o cachorro em internato e não lhes foi permitido ver o cão. Quando o vieram buscar ele estava magro, apático e era uma sombra do cachorro energético e feliz que tinham lá deixado, foi quando eles me telefonaram.

Já sou treinadora à muito tempo, já treino cães desde os 13 anos. Mas antigamente só existia uma forma de treinar, a convencional. Quando eu digo convencional falo do tipo de treino com estranguladoras, que se o cão não faz o que queremos lhe damos um esticão para ver se ele fica esperto. Quanto mais tempo durar a desobediência do cão mais severos se tornam os esticões o que nutre raiva no “treinador”.
Surpreendentemente ainda existem treinadores convencionais. Com toda a informação disponível em revistas, jornais e internet acerca do treino com reforço positivo ainda existem treinadores agarrados aos esticões nas coleiras que insistem em não mudar. A primeira vez que pratiquei treino com reforço positivo foi à 15 anos atrás. Quando o descobri a primeira coisa que me passou pela cabeça foi “porque é que só descobri isto agora?”. Durante muito tempo senti-me culpada pelas coisas que fiz no passado mas eventualmente deixei de pensar nisso.

Os anos que passei a exercer treino convencional, dão-me hoje um melhor entendimento do porque é que odeio esse método de treino e porque é que treino da forma que treino. Eu não sou o tipo de pessoa que treina apenas de uma só forma, não, eu pratiquei as duas e percebo muito bem a diferença. Eu acho que a maior diferença entre o treino convencional e o positivo é o tipo de emoção que cria. Eu lembro-me de estar nas antigas classes onde qualquer pessoa cujo cão não estivesse a cumprir os exercícios, ficava zangado com o seu cão. Eu vi pessoas tão dependentes dos esticões na coleira e entendo a raiva na sua reacção quando os cães não faziam o que eles queriam.

Foi aqui que a conversa com o meu marido se alongou, na raiva. Nós conseguiamos ver a raiva na mulher, quando ela deu o pontapé no seu cão e lhe deu um esticão na coleira para tentar que ele parasse de ladrar. É muito mais do que escolher uma forma ou a outra; ambos os métodos de treino derivam de uma ideia essencial, e é dessa mesma ideia que a pessoa parte.

Reforço positivo requer mais paciência e sem sombra de duvida mais raciocínio. Tive um amigo treinador que estava a aprender técnicas de reforço positivo que me disse que adorava a forma como eu pensava nas coisas quando estávamos a discutir o treino de um comportamento. Não existem 2 cães iguais e muitas vezes um novo e estranho comportamento aparece no cão de um cliente. Eu ai digo “espera ai, preciso de resolver isto.” Porque é que estava este cão a agir desta forma, qual era a diferença aqui?

Cães fazem coisas estranhas e se vocês os observarem durante muito tempo, ouvirem os donos explicar os comportamentos quase sempre tudo tem uma explicação. Não que a explicação seja sempre útil, por vezes temos que passar da causa, directamente para a solução. Por vezes um comportamento pode ser rapidamente solucionado se o dono mudar uma pequena coisa. Eu adoro comportamento canino, honestamente posso passar horas a ver cães interagir com outros cães ou com pessoas. Adoro os donos que optam por escolher reforço positivo, estes são uma nova “raça” de donos. Longe dos esticões e estrangular cães quando eles se “portam mal”, treinadores positivos procuram formas de optimizar a possibilidade da repetição de bons comportamentos. E isso meus amigos são óptimas notícias para todos os cães.