segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012


Existem muitos riscos e perigos que incorrem quando ponderamos o uso de aversivos (dor, medo, intimidação, punições físicas ou outras) para treinar e/ou educar cães. Talvez o perigo maior resida na falta de conhecimento ou negação dessa falha por parte das pessoas.
Eu sou muito mais tolerante com a falta de conhecimento do que com a negação desse conhecimento.
Sei tudo!
Uma pessoa ao ouvir que eu treinava cães, começou imediatamente a contar-me uma história acerca do seu Beagle.
Começou por explicar-me que “durante a sua vida toda teve cães, reeiterando que tinha tido rottweilers, dobermanns que caminhavam na rua sem trela e não saiam do seu lado”. Usualmente as pessoas parecem pensar que se tiveram determinadas raças estão automaticamente habilitadas a ter qualquer outra e que o facto de sempre ter tido cães lhes confere uma autoridade ou conhecimento automático acerca de tudo relacionado com cães.
Ela continuou o relato dizendo que agora tinha um Beagle que “era o cão mais
desobediente que alguma vez tinha tido”. – usualmente as pessoas fazem questão de afirmar como os cães são desobedientes e raramente param para pensar se o problema reside na forma como ensinaram os cães, ou sequer se ensinaram os cães. Infelizmente para os cães, muitas pessoas assumem que estes devem vir ensinados, já com algum tipo de conhecimento adquirido geneticamente. Se olharmos livros generalistas das raças vemos, como a raça X ou Y é obediente ou responde bem à chamada – sempre achei isto curioso, é o equivalente a dizer que uma criança que nasce no Japão já vem a saber matemática aplicada ou que uma criança brasileira deve saber certamente dançar capoeira e samba desde a nascença é típico da raça.
Depois continuou a contar como uma vez ia a sair de casa, abriu o portão da propriedade para sair com o carro mas antes foi ter com o seu cão e disse-lhe “não te atrevas a sair daqui”. Entrou no carro, abriu o portão e para choque e surpresa dela o cão saiu disparado. Ela conta como correu atrás do cão mas este continuava a fugir então ela voltou para trás entrou no carro e foi a seguir o cão com o carro. “Ele eventualmente parou num descampado e pôs-se a uivar e a fazer montes de barulho, quem ouvia até parecia que eu espancava o cão” contava ela. Depois seguiu dizendo “ele primeiro que entrasse no carro foi um castigo, mas depois eu disse-lhe – “entra no carro agora senão a surra que levas depois vai ser pior” – e ele entrou todo cabisbaixo mas enquanto eu dava a volta ao carro ele aproveitou e patinhou o carro todo com lama para se vingar”.
“Ah então quando cheguei a casa, deixei-o sair do carro e dei-lhe uma surra tão grande nem estás a ver. Eu batia-lhe com toda a força que tinha e o meu irmão dizia “bate mais que ele é mesmo desobediente” e eu bati mesmo para ela aprender, ele gania gania mas não servia de nada. No final disso tudo estava ele quieto eu abri o portão da casa de novo e sabes o que ele fez? Saiu na mesma! Não foi longe desta vez mas saiu de novo, achas normal?”
“Nunca tive um cão tão desobediente como este, e ainda por cima rói tudo o que apanha,
o que é que se faz com um cão assim? A mim custa-me mete-lo numa escola de treino afinal de contas sempre consegui educar os meus cães não preciso que agora terceiros venham educar os meus cães.”
Tudo isto teria sido facilmente resolvido se o irmão tivesse segurado o cão enquanto ela saia com o carro. Um pequeno gesto de gestão usado com inteligência seria o suficiente para evitar tantos transtornos e certamente evitar desapontamentos já para nem falar das possives
consequências deste tipo de situações.
Para além da gestão da situação, esta pessoa poderia também ter ensinado o cão a ficar enquanto o portão abre algo que se consegue com alguma facilidade. Mas a pessoa recaiu imediatamente numa guerra de vontades. A vontade da pessoa em provar que consegue que o cão faça o que ela
quer, só porque sim. Sem ensinar nada, sem esforço, apenas por ela disse. Esta guerra de vontades e necessidade de provar superioridade por simples osmose é um dos obstáculos a uma convivência saudável livre de problemas com os nossos cães.

Colocar um cão numa situação que sabemos que ele vai falhar e depois puni-lo por apresentar um comportamento perfeitamente natural e expectável é para mim incompreensível e inaceitável. A generalidade das pessoas estão tão condicionadas pela sociedade, a sua vida e as influências externas em punirem o que está mal, que lhes parece impossível a ideia de que não é necessário punir, muito menos punir duma forma agressiva, para se ensinar alguma coisa. Para mim, por exemplo, foi muito fácil entender que aprendizagem não ocorre num ambiente
de medo ou intimidação.
Treinar usando reforço positivo não é simplesmente uma técnica que se aplica, é uma mudança de mentalidade na nossa forma de estar e de lidar com outros. Se entendermos o conceito básico de que reforçar comportamentos desejados aumenta a sua frequência e retirar o reforço
aos comportamentos indesejados diminui a frequência destes, então estamos no bom caminho.
Assumir que temos muito a aprender e não assumirmos que sabemos tudo acerca dos cães é também uma das prerrogativas para aprendermos mais e evoluirmos. Se nos mantivermos presos ao que “sempre soubemos” ou “aquilo que achamos ser correcto” sem questionar nada estagnamos.

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