sexta-feira, 5 de março de 2010

Se todos os teus amigos saltassem de uma ponte….Tu ias atrás?


O título alternativo para esta entrada no blog seria “Criança vai para a prisão por ter urinado nas cuecas”.

É fácil até para o observador casual notar que os cães se punem uns aos outros em contextos sociais interespécies (entre cães). Frequentemente surge a questão “ mas se os cães se corrigem uns aos outros por comportamentos “indesejados”, porque é que não havemos de fazer o mesmo?”

Esta questão é pertinente, porque faz com que as pessoas pensem nos cães e na forma como estes aprendem. No entanto, esta pergunta também me lembra sempre uma pergunta que uma mãe faria ao seu filho adolescente “se os teus amigos saltassem de uma ponte tu ias atrás?”. Ou seja, suscita de imediato outra questão, se o que é bom para uns (cães a interagir com outros cães) será bom ou adequado para outros (você a interagir com o seu cão?).

A NATUREZA DAS CORRECÇÃO NA COMUNICAÇÃO ENTRE CÃES

Porque será então ok que cães se corrijam uns aos outros mas menos aconselhado que nós façamos o mesmo?

A resposta simples a esta pergunta é que os cães são muito bons a administrar correcções e nós (humanos) nem por isso.

Steve White, estabeleceu 8 regras relacionadas com o uso de punições. Se der uma vista de olhos nestas regras, verá o quão difícil é aplicar punições eficazes e justas.

O contraste do que aquilo que um cão faz para “castigar” outro e o que nós fazemos é enorme.

Frequentemente quando os donos de um cão observam-no a fazer algo que eles não aprovam (ladrar, copular com outro cão por exemplo, roer um objecto, etc…), a resposta automática e imediata é agarrar no cão, gritar com ele e fazer um drama. Alguns treinadores automaticamente saltam para cima do cão, agarram no mesmo, atiram-no ao chão e fazem um “famoso” alpha-roll.

Wow! Espera aí! Mas que comportamento é na realidade exagerado aqui, o do humano ou o do cão?

Não tenho dúvidas que se um cão quisesse punir outro por um determinado comportamento ele iniciaria por uma repreensão calma e escalaria a sua reacção caso o outro cão não repondesse adequadamente.

Assim, a sequência punitiva de um cão que pretende punir outro por estar a assediar um terceiro, por exemplo, poderia ser idêntico a isto:

1. Aproximar-se do cão e colocar-se ao seu lado.
2. Colocar-se no meio dos dois cães
3. Fixar o olhar no cão que está a assediar, orelhas a cerca de 45 graus em relação á cabeça
4. Ladrar ao cão que está a assediar, orelhas coladas à cabeça.

Se esta estratégia não fosse bem sucedida, poderia escalar para:

5. Eriçar os pelos
6. Rosnar baixo e contínuo
7. Um ladrar alto, rápido e agudo
8. Um arreganhar e morder o ar

Portanto temos 8 variações de punição, nenhuma delas sequer se aproxima da intensidade de um alpha-roll por exemplo, ou de uma palmada!

A maioria dos cães pára o comportamento a uma punição de nível 4. Alguns são mais assertivos e requerem um nível de punição mais alto. Mas aquilo que nós “humanos” consideramos ser uma punição forte, nem sequer inclui uma aproximação ou toque físico para os cães.

Os cães são excelentes comunicadores através do movimento do seu corpo, do posicionamento das orelhas, cabeça, cauda, olhos, das diferentes variações de ladrar, dos rosnos, até mesmo dos conhecidos “chega para lá” que consistem no rosnar e ladrar rápido com mordida no ar, sem nunca tocarem no outro cão.

Raramente os cães se envolvem em brigas sérias. Cães agarrados uns aos outros com sangue e veterinários pelo meio são cenários graves e felizmente mais raras do que normais. O cão não quer na realidade despender energia nem correr riscos em brigas desnecessárias. A sua sobrevivência depende da sua segurança e lutas entre cães são algo reservado a casos de agressão muitas vezes por sociabilização fraca mais do que desentendimentos.

Por comportamentos inadequados a maior parte dos cães comunica eficazmente, e muitas vezes um arreganhar dos dentes, um olhar, ou a tensão do corpo é suficiente para comunicar e punir algo desagradável.

A maioria dos humanos mesmo os mais calmos, quando apresentados com um comportamento do seu amigo canino que não aprovam começam logo por um grito “Ei! Pára com isso!” que seria o equivalente a uma correcção nível 7 entre cães.

Isto é o que queremos dizer quando dizemos que as pessoas não têm muito jeito para punições. Se comparássemos o que fazemos aos cães e aplicássemos ao tipo de punições que usamos uns com os outros (entre pessoas) seria o equivalente a mandar o seu filho para uma escola militar por ter feito xixi nas cuecas.

Ridículo? Será que o castigo está de acordo com o “crime”? Será que é algum crime uma criança ter um acidente durante um período de aprendizagem (das fraldas para as cuecas?). Não seria antes mais adequado preparar a criança para que seja bem sucedida na tarefa (idas mais frequentes à casa-de-banho e recompensar quando faz onde deve) do que enviá-la para a escola militar?

Enquanto que a resposta pode ser óbvia para uns, é surpreendentemente estranho para alguns donos de cães terem esta perspectiva. Ficam presos ao conceito de que cães não são crianças e não são! Mas os mecanismos de aprendizagem aplicam-se a todos os seres vivos, mesmo aos humanos!

Já pensou que se por acaso encontrar uma nota de 20 euros numa rua transversal à da sua casa, a probabilidade de você passar por aquela rua na esperança de encontrar outros 20 euros acabram de aumentar? Mesmo que inconscientemente assim ditam as leis da aprendizagem. Se ao contrário ao passar nessa rua fosse assaltado, o mais provável seria evitar passar por essa mesma rua.

Os cães são gloriosamente subtis nas suas comunicações uns com os outros, e quem tem contacto com vários cães observa isto diariamente. São mestres da subtileza, mudam posturas, posições e movimentos de minuto a minuto – eles percebem mudanças de peso de um membro para o outro, alterações de cheiro no corpo, intenção corporal na aproximação de um indivíduo, velocidade da respiração, intenção no olhar, etc.…

ETOLOGICAMENTE FALANDO

Ao fazermos uma avaliação etológica de “custo-benefício” nas correcções, não beneficia o cão como espécie fazer punições severas – agressão é aquilo a que os especialistas e comportamentalistas chamam de “comportamento caro” – tem um preço alto (um risco enorme) e como tal é um último recurso. Sempre ouvimos dizer que um cão se puder foge e só depois ataca. Os cães atacam em último recurso, para se defenderem, quando se sentem ameaçados, para proteger o seu legado (as suas crias) ou para protegerem algum recurso escasso do qual dependem para sobreviver (como a comida). Felizmente esses casos são raros. Raros são os cães que têm de defender as suas crias, ou lutar para comer, a domesticação e aquilo que provemos dá-lhes aquilo que mais querem, uma vivência harmoniosa e em paz.

Existe o mito de que as cadelas punem as suas crias com abanões no cachaço ou mordidas no pescoço. Esta meme* persiste vinda duma literatura antiquada. Na realidade tal acção nunca foi documentada como verdadeira. As cadelas apenas agarram nas suas crias pelo cachaço quando as crias são muito pequenas, estão em perigo ou se afastam em demasia e a cadela pretende mudá-las de local. Fora desse contexto nunca nenhuma cadela agarra um cachorro pelo cachaço e abana de um lado para o outro como correção. Esta descrição não passa de um mito perpetuado por observações anedóticas e iniciado por más interpretações ou interpretações erróneas do que está na realidade a ser feito.

Dito isto se alguma vez ouviu o conselho “agarre no cachaço do cachorro e grite não”, pense duas vezes. Pense no que o cachorro vai sentir quando fizer isto. Medo, confusão, angústia, stress, e acima de tudo vê-lo a si como um ser estranho e imprevisível que administra punições completamente despropositadas e graves das quais ele se tem que defender. Por isso muitos cães crescem e se tornam agressivos, a isso se chama agressão defensiva. Se tem um cachorro em casa, não tente imitar outros cães, nem tão pouco lobos.

Seja um lider calmo e inteligente, use a sua capacidade de controlar os recursos importantes para o cão para o treinar (todos os cães têm que comer, ou lhe dá a comida gratuitamente ou o faz trabalhar para a ter), estabeleça regras desde o início, seja acima de tudo consistente e justo. Goze da companhia do seu cachorro, carregue-se de paciência porque todos os cachorros são apenas bébés e precisam de se divertir e descobrir o mundo e fazem como todos asneiras enquanto descobrem o mundo. Mostre ao cachorro o que espera dele e não aguarde que ele faça asneiras para o punir, concentre-se antes em recompensar o que ele faz bem para que ele repita esses comportamentos e aprenda como pode agradá-lo.

Aprenda a ser o melhor amigo do seu cão!

*o meme é considerado uma unidade de evolução cultural que pode de alguma forma autopropagar-se. Os memes podem ser idéias ou partes de idéias, línguas, sons, desenhos, capacidades, valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser aprendida facilmente e transmitida enquanto unidade autónoma. Quando usado num contexto coloquial e não especializado, o termo meme pode significar apenas a transmissão de informação de uma mente para outra.

1 comentário:

vivendo a vida. disse...

OI, meu nome é Tarcila também sou uma apaixonada por animais, faço medicina veterinaria em Rondonia, adoraria que vc me adicionasse, ou seguise para que possamos trocar ideias e experiencia.
OBS: ainda estou aprendendo a mexer no blog, este é meu primeiro blog