Positivo ou não, eis a questão
Por todo o mundo da cinófilia e treino canino positivo e reforço positivo tornaram-se duas palavras populares e muito procuradas.
Já sabemos que o reforço positivo é a técnica mais procurada pelos donos de cães, simplesmente porque se alguém consegue educar e treinar o seu cão de forma divertida e cooperante não existe justificação para procurar outras formas mais invasivas. Muitas pessoas fogem de métodos aversivos que incluem medo e dor para treinar os seus companheiros.
A crescente variedade de técnicas de treino que se baseiam no reforço positivo, a facilidade na aplicação dessas mesmas técnicas, os resultados rápidos e duradouros, fazem deste método o preferencial e mais procurado.
Como tal e infelizmente o chamariz do treino positivo é usado por muitos treinadores para atrair clientes. Para além de uma falta de ética profissional inexplicável usar o chamariz do treino positivo para atrair clientes e depois aplicar métodos aversivos, muitas pessoas ficam depois com uma ideia totalmente errada acerca do que são técnicas baseadas no reforço positivo.
A Emily Larlham recentemente cunhou o termo treinador de reforço progressivo ela diz no mesmo:
“Este tipo de treino não-violento já teve muitos nomes: “treino de clicker”, “treino positivo”, “treino com reforço positivo” e “treino com recompensas” entre outros.
Os termos acima mencionados foram usados de forma tão displicente nos últimos anos que perderam o seu significado original. Como é que isto aconteceu? Treinadores que usam métodos compulsivos podem incorporar um clicker no seu treino (um marcador de comportamento) e auto nomearem-se “treinadores de clicker”. Treinadores que usam métodos dolorosos ou intimidativos podem incluir comida ou brinquedos como recompensas no treino e referirem-se como “Treinadores com recompensas” ou “Treinadores de reforço positivo”. É possível hoje em dia, que um membro do público procure a ajuda de um treinador que se diz “Positivo”, apenas para descobrir que este usa regularmente violência física com animais.”
Conheça o positivo
O que determina se um treinador é versado em técnicas de reforço positivo não é o facto de você entrar numa aula e ver comida, clicker ou bolas. Muitos treinadores usam comida, bolas, festinhas, carinhos e palavras da moda como positivo, reforço ou clicker para se identificarem como treinadores positivos, mas o que distingue o treinador versado em técnicas baseadas no reforço positivo do treinador que usa a palavra positivo para se vender está nas entrelinhas.
Vou enumerar algumas das coisas que um treinador versado em técnicas de reforço positivo NUNCA faz:
Nunca usa ou aconselha usar estranguladoras, coleiras de bicos ou coleiras de choque
Nunca manuseia fisicamente o cão (empurra o rabo para o chão para ensinar o senta, ou puxa da coleira para ensinar o deita, por exemplo)
Nunca empurra, “dá toques” com os pés, “chama a atenção” com as mãos, dá palmadas, grita ou berra
Não culpa o cão (seja pelo que for) por ex: “O cão é dominante, burro, teimoso, da raça x, distraido, energético, etc..”
Nunca se recusa treinar cães de determinadas raças, tamanhos, pesos ou proveniências. Por exe: “Só treinamos cães acima do joelho”, “Só treinamos cães de x raça”, “Não treinamos Pit Bulls ou Beagles porque são impossíveis de treinar”, “Sò treinamos cães a sério(??)”
Não usa, promove ou aplica a teoria da dominância esta usualmente é usada apenas como justificação para uso de técnicas aversivas
Nunca usa as palavras, dominante, dominância, alpha, rollovers.
Sabe que uma coleira de citronella (coleira anti latido) é aversiva e nunca usa ou recomenda o seu uso
Nunca arranja desculpas para que as pessoas usem punições. O trabalho do treinador positivo é precisamente educar as pessoas no sentido de obterem os resultados usando técnicas baseadas em reforço positivo e não arranjar desculpas para que as pessoas possam usar punições
Negam ao cão o acesso a outros cães ou pessoas. Os treinadores positivos entendem a importância de ter um cão bem sociabilizado e valorizam isso. Saber a diferença entre um cão treinado para efectuar um comportamento específico (como morder sob comando) e um cão que é agressivo com pessoas é essencial.
Nunca promete curar o cão. O treinador positivo entende que modificação comportamental é um processo complexo que admite muitas fases e que depende de muitas variantes. Um psicólogo nunca diz ao paciente que o vai curar tanto quanto um treinador lhe pode garantir a cura para os problemas de agressão do seu cão.
Treinadores positivos usualmente:
Oferecem técnicas que todos na família possa aplicar, desde ao homem, à criança ao idoso
Adaptam as técnicas de treino às necessidades da família e aos interesses de todos aqueles que lidam com o cão
Sabem responder adequadamente a todas as questões colocadas de forma coerente, lógica e simples numa linguagem que todos possam entender.
Distinguem as suas áreas de competência e direccionam os clientes para outras escolas ou treinadores quando o que lhes pedem não é a sua especialidade
Treinam fora do local da escola. Um bom treinador positivo percebe a importância do que chamamos de generalização isto é, da necessidade de ensinar ao cão os exercícios que aprendme na escola em cenários da vida real.
Ensinam os donos a usar todo o tipo de recompensas, como ir á rua, acesso a outros cães, brincar, cheirar um arbusto, etc.
Explica aos clientes que o comportamento é fluente e obedece a mudanças que advêm das diversas variantes que influenciam o comportamento. O treinador positivo NUNCA perde tempo a culpar os donos, ao invés oferece soluções alternativas.
Comida NÃO É sinónimo de treino Positivo
Uma vez uma pessoa disse-me que o treino positivo não resultava. Eu questionei se a pessoa já alguma vez tinha aplicado técnicas de reforço positivo com os cães dela, a resposta foi “sim claro, eu treinei um pouco de agility e o treinador ensinou-me a correr com a salsicha na mão e o cão vinha atrás”.
Se perguntarmos a alguém o que é reforço positivo, obtemos respostas que variam de: “treinar com comida”, “dar ao cão alguma coisa que ele gosta”, “petiscos” ou “clicker”. No entanto, nenhuma destas palavras descreve o reforço positivo.
Uma das formas mais comuns de vender o título de positivo é aliar o treino à comida precisamente porque existe a ideia errada de que comida é reforço positivo. A comida é um reforço primário que pode nas circunstâncias correctas ser usada para reforçar comportamentos.
Muitos treinadores anunciados como positivos ensinam os donos a segurar no pedaço de comida na mão enquanto o cão a segue. Fazer um cão seguir a comida não é igual a usar reforço positivo. Um bom treinador positivo dir-lhe-á que deve tirar a comida da mão o quanto antes e ensina-o a obter os comportamentos sem ter comida na mão. Se você nas aulas vê as pessoas a fazerem tudo com comida na mão à vista do cão então não está a assistir a reforço positivo.
É muito fácil colocar um pedaço de salsicha e fazer o cão segui-la (uma técnica chamada Luring). Através do Luring conseguimos fazer com que o cão demonstre os comportamentos que queremos recompensar sem termos que os manusear fisicamente. No entanto um treinador competente, após ter obtido e reforçado o comportamento algumas vezes imediatamente introduz o comando gestual e elimina o engodo da comida.
Nas minhas aulas as pessoas são ensinadas a usar Luring para obter o comportamento desejado e na mesma aula é-lhes dito que devem obrigatoriamente tirar a comida da mão.
Só sei que nada sei
Muitos treinadores usam comida e bolas para ensinar cães a sentar e a deitar mas no momento em que o dono lhe coloca uma questão comportamental revertem imediatamente para métodos aversivos.
O ditado já diz “o uso de agressão começa onde acaba o conhecimento”.
Um treinador versado no ensino de “comandos” de obediência ou num outro desporto como agility por exemplo não é necessariamente um especialista em comportamento e vice versa. É importante que o cliente entenda que um bom treinador de agility pode não ser um bom treinador de mondioring, da mesma forma que um bom treinador de mondioring pode não ser a pessoa indicada para ajudá-lo a resolver o problema de agressão do seu cão.
Muitas vezes enviei pessoas para colegas espalhados por todo o país quando considerei que aquilo que procuravam estava fora das minhas competências. Eu reconheço que a minha área de interesse reside no ensino de obediência básica, freestyle e resolução de problemas de comportamento. Quando me me perguntam acerca de treino de cães de guarda, protecção, agility ou busca e salvamento, por exemplo, envio para outras escolas ou treinadores, visto estas não serem as minhas área de competência.
Infelizmente são poucos os treinadores que têm este tipo de pensamento. Uma treinadora muito conceituada em Portugal escreveu no fórum da Its All About Dogs
“...ser treinador é treinar cães sejam quais forem os problemas, e não manda-los para outro sitio quando não conseguimos ou quando as nossas tecnicas e ideais não se aplicam a esse cão, porque em nada vão resolver o problema.”
Este tipo de afirmação denigre a profissão de treinador. Quando “não conseguimos ou quando as nossas técnicas e ideiais não se aplicam ao cão” a nossa obrigação como profissionais é precisamente indicar outros colegas e não fazer como esta senhora defende que é “não mandar para outro sítio”.
A mentalidade de que enviar um cliente a outro colega é declarar incompetência leva a que os treinadores quando não sabem o que fazer inventem ou experimentem.
É duma arrogância extrema pensar-se que se sabe tudo acerca de tudo.
Tentar resolver um problema comportamental quando se percebe pouco ou nada de comportamento canino é não só irresponsável como perigoso. O uso de técnicas aversivas na modificação comportamental leva à supressão temporária de sinais comunicativos e a médio prazo ao piorar do comportamento.
Usualmente são os donos e os cães que pagam caro esta arrogância.
A Matilde foi uma cadela que chegou às minhas mãos pela mão dos seus donos desesperados. A agressão dela que começou por ser uma rosnar aleatório aos donos em determinadas ocasiões tinha escalado duma forma astronómica para morder (de forma grave) e rosnar aos donos e a todos os estranhos que entravam ou saiam de casa e/ou tentavam tocar nela. O treinador anterior, contaram-me, tinha-lhes explicado que o problema dela era dominância. Por entre alpha rollovers, rosnar à cadela, atirá-la ao chão e outras “delícias” mais, o comportamento dela não só melhorava como piorava. No final daquela viagem de pesadelo a culpa foi atirada para os donos que eram tidos como “incapazes de se imporem à cadela”. Á minha frente estava uma cadela e os seus donos destroçados.
Esta história é mais comum do que podem imaginar e o problema reside precisamente na incapacidade de admitir onde estão as nossas competências e onde reside o nosso conhecimento.
Aos clientes eu aconselho a que procurem muito bem antes de pagarem a alguém para “curar” o cão. Informem-se junto de vários treinadores. Ouça as suas opiniões, pergunte, questione. Se o treinador fizer algo que você não consegue, sabe ou faria, não prossiga. Você está a pagar a essa pessoa tem todo o direito de ser exigente.
Problema de agressão
Se o seu cão tem um problema de agressão o treinador positivo e versado em técnicas de modificação comportamental baseadas no reforço positivo falará de termos como:
- Dessensibilização
- Contra condicionamento
- BAT
- LAT
- Ensino de comportamentos alternativos
- Reforço de comportamentos incompatíveis
- Reforço positivo
- Não praticar os comportamentos problemáticos
- Preparar o cão para ser bem sucedido e poder ser reforçado (se o cão rosna às motas o treinador não sugere levá-lo para perto duma mota e depois puni-lo por reagir)
O que um treinador positivo nunca sugere:
- Flooding – por exemplo se o cão tem medo de pessoas, leva-lo para locais com muitas pessoas. Consiste em submeter o cão ao estímulo que o assusta sem lhe dar hipótese de escapea até que ele pare de reagir (entra em estado de desamparo aprendido ou learned helplessness)
- Dominar o cão
- Suprimir sinais comunicativos – se o cão ladra é punido. Se a punição for suficientemente forte faz com que o cão pare de ladrar mas não vai à raíz do problema (o cão ladra por medo? Ansiedade? Frustração?)
- Punições ou formas de intimidar o cão
Escolha de cada um!
Cada um deve em consciência escolher a que treinador recorrer e quais as capacidades que valoriza.
Algumas pessoas querem um treinador com muitos títulos e medalhas. Outros procuram treinadores com formação comprovada. Outros procuram treinadores que sejam conhecidos e referidos por pessoas de confiança. Outros procuram treinadores que sejam bons a um determinado desporto por exemplo. Também conheço pessoas que procuram treinadores que ofereçam resultados independentemente de como os obtêm. Algumas pessoas não se preocupam em aprender a treinar o seu cão e apenas querem o cão treinado. Cada um tem a sua exigência.
Essa escolha é de cada um, no entanto, se você procura um treinador versado nas técnicas de reforço positivo está no seu direito de não ser enganado e iludido e está no seu direito de certificar-se que o treinador realmente é positivo e não só aparenta ser.
Para tal peça para ver as aulas, fale com outros alunos, observe a linguagem dos cães. Decida o que é importante para si e acima de tudo se achar que afinal não gosta do treinador ou da técnica seja ela qual for, então mude, não se sinta forçado a permanecer com um determinado treinador seja porque motivo for. Peça opiniões de outras pessoas, converse e fale. Acima de tudo decida em consciência.
Em Portugal existem excelentes treinadores experientes e capazes em muitas áreas e é muito importante treinar o seu cão não só porque é uma forma de estimular a mente do mesmo, como exercita-lo fisicamente e aprender a comunicar eficazmente com o seu cão.
O cão é seu, lembre-se que o treino é algo que se faz COM o cão e nunca algo que se faz AO cão!