sábado, 12 de janeiro de 2013

Resposta ao artigo escrito por Daniel Oliveira entitulado "O cão que matou a criança e as comparações grotescas"

Podem ler o artigo aqui http://expresso.sapo.pt/o-cao-que-matou-a-crianca-e-as-comparacoes-grotescas=f778636#ixzz2HkpSDwRV Usualmente não respondo a artigos deste género e o motivo pelo qual não respondo a artigos destes começa pelo facto de que considero que seria o mesmo que dar importância a uma exortação que uma qualquer canalizador escrevesse acerca do ciclo procriativo dos cangurus da Austrália, ou à opinião que o Ronaldo tem do desenvolvimento das técnicas de microrefrigeração de alimentos feita pela NASA. Ou seja, não dou importância à opinião de pessoas que falam do que não entendem e ainda por cima que o fazem em público com pouca humildade e querendo nada mais do que protagonismo. Eu não escrevo no Expresso, nem em nenhum jornal nacional, não falo sobre como as suturas de uma operação à vesícula devem ser feita porque não percebo nada disso. Mas não obstante o tema em questão é um que está completamente dentro da minha área específica de conhecimento. Não é só porque sou treinadora, ou porque me dedico à modificação de comportamentos de cães, mas porque há mais de 9 anos me dedico ao estudo intenso e contínuo de tudo relacionado com comportamento canino e à prática diária do treino e reabilitação de cães. É afinal a minha profissão e de cães percebo eu. Então hoje quando acordei e li este artigo de opinião deste senhor que pertence a um partido qualquer, torci o nariz. É que conseguiu superar as famosas tiradas do Miguel Sousa Tavares que não teve problemas nenhuns e dizer em pleno telejornal de horário nobre que não conhece donos de pitbulls equilibrados! Senão vejamos, o Daniel afirma que o animal deve ser abatido por uma questão de segurança "porque as crianças não podem correr risco de vida, sejam lá qual forem os motivos." Mas o Daniel vive em que mundo? As crianças no seu dia-a-dia, estão sujeitas a todo o tipo de perigos, quando andam de carro podem incorrer acidentes de viação, podem também morrer afogadas nas perigosíssimas piscinas que "atacam" todos os verões, e quanto aos baloiços? Sabe Daniel quantos baloiços partem cabeças às crianças? Também ouvi falar de trágicas histórias de tampas de canetas engolidas. Daniel, as crianças vivem num mundo repleto de perigos e já agora, você também, ou então anda iludido e o pai natal existe. A questão portanto não é de todo a segurança das crianças como você tenta inutilmente valorar, mas o facto de você considerar os cães facilmente descartáveis, mais descartáveis do que obviamente as piscinas. Portanto segundo o Daniel, o cão morre porque as crianças precisam de ficar seguras. É? E o dono do Zico vai amanhã buscar outro Zico e daqui a 2, 3, 5, ou 8 anos esse Zico2 mata outra criança, que morre inocente e nós abatemos outro cão para assegurarmos a segurança da criança? E assim andamos na montanha russa com balões e chupas chupas... O que o Daniel precisa entender, e recusa a fazê-lo é que ainda ninguém sabe se o cão representa um verdadeiro perigo para alguém. Ainda está por determinar se ele foi de facto o causador da morte da criança. Entretenha esta ideia por momentos Daniel, a ideia de que os cães não agem com intenção de matar. Assumindo que o cão é responsável pela morte desta criança, muitos são os cenários a explorar. Saiba desde já que eu como treinadora não considero que eu nenhum deles o cão devesse matar a criança, mas a questão é que o cão não teve INTENÇÃO de a matar. Talvez ele estivesse a defender-se dela, ou talvez estivesse feliz por vê-la saltou-lhe para cima ela caiu e bateu com a cabeça. Seja qual for a história que nenhum de nós sabe, todos estes cenários só acontecem porque os donos do cão não o souberam educar e porque os pais da criança deixaram-na à mercê da sua sorte perto de um cão. São de facto dois seres inocentes nesta história. Ninguém pode afirmar que este cão vai alguma vez matar outra criança, ou que sequer teve intenção se o fez desta vez. Ao condenar o cão à morte porque presumivelmente matou uma criança o Daniel ASSUME que ele pode vir a matar de novo. Isto implica que o Daniel sabe que ele o vai fazer de novo, como é que sabe isso, pergunto eu? Conhece o cão? Conhece as circunstâncias em que aconteceu o incidente? Sabe avaliar se o cão é de facto agressivo com crianças? Quantas avaliações comportamentais fez o Daniel na sua curta vida de especialista em cães? Eu não estou de acordo com a morte de nenhum cão até provado que este representa verdadeiramente um perigo, e isso não está provado, e é isso que 20 mil pessoas assinam. Se ele for avaliado, e determinado como um perigo para a sociedade talvez a morte dele venha a efeito, mas se tiver que acontecer que seja feita como um acto de responsabilização por negligência dos donos do mesmo. O cão morto porque é perigoso deveria sempre ser acompanhado pela prisão dos donos por negligência grosseira nesse facto e só assim iriamos evitar que os donos fossem buscar o Zico2 e que outros donos por esse país à beira-mar plantado começassem a pensar que são realmente responsáveis pelos seus cães. Portanto como vê Daniel se entreter a ideia de que 20 mil portugueses não são somente "defensores radicais dos direitos dos animais" mas sim pessoas que pedem bom senso e cuidado nas rápidas assumpçoes, e nos julgamentos precipitados feito por pessoas leigas ao assunto e ignorantes como o senhor, talvez veja que não estamos todos loucos. Eu já recuperei muitos cães e sei que todos os cães merecem a oportunidade de pelo menos serem avaliados a nível comportamental antes de serem julgados à morte de forma displicente. Se o cão for de facto perigoso para crianças porque não explora a ideia de o manter numa prisão até ao final da sua vida? Deêm-lhe um canil do tamanho de uma cela, com comida e água diária, direito a passeio diario com estimulação mental e que morra aí, eu nada tenho a opor-me a isso. Acha demasiado pedir a um animal o que damos aos nossos assassinos que agem com intenção e vontade de matar? Essa questão é uma de ética, compaixão e empatia. Aqueles que não têm empatia com os animais nunca hão-de entender. O Daniel diz que tem animais de quem "gosta muito" mas que não hesitaria em matar um deles em troca da vida "do ser humano mais asqueroso". Eu quando li isso fiquei chocada. Coitados dos seus cães. Então o Daniel de bom grado deixaria que matassem o seu cão para poupar a vida de Anders Behring Breivik que matou somente 77 pessoas entre elas adolescentes e crianças? Isso é no mínimo grotesco! Portanto o mundo do Daniel é um repleto de baboseiras surreais, em que o pai natal dá uma bolacha ao Hitler e ambos matam cães para se sentir melhor. Eu vivo em Portugal e orgulho-me dos 20.000 portugueses que mostram empatia, bom senso, e querem que a justiça seja feita de forma coerente. Claudia Estanislau Treinadora da Escola Its All About Dogs

3 comentários:

lds disse...

Cláudia,

concordo no geral com o conteúdo e em absoluto com o teor desta resposta. Creio que toca em dois ou três pontos fundamentais para contrariar este artigo que até parecia difícil de contrariar.
Deixe-me, contudo, limar algumas questões que talvez possam ajudar a melhorar ou esclarecer uma futura argumentação que se desenvolva a partir da sua resposta ao artigo.

1. Não me parece que o facto de se pertencer a um partido retire ou forneça qualquer valor às ideias apresentadas; penso ser desnecessário "ir por aí".
2. Não me parece, de todo, que estas declarações "superem" as do Miguel Sousa Tavares, essa sim claramente afectada e envolta de todo o culto de personagem "enfant terrible" que MST transporta (e eu até costumo concordar com as coisas que ele diz, note-se).
3. (mais importante) O artigo do Daniel Oliveira, contra o qual também me coloco, não deve ser colocado na pilha de vozes que advogam um cego ódio a todos os "cães assassinos". Parece-me haver neste artigo uma ideia importante e cujo esquecimento leva a que haja uma fragilização dos argumentos que poderemos dar a favor do Zico ou de oturos Zicos. A ideia é a seguinte: não se trata de atribuir culpas ao cão; não se trata de uma questão de culpa. Eu acho que é essencial tomarmos atenção a isto; é que perdemos todo o freio da questão quando procuramos saber de quem é a culpa; tudo já está mal definido quando, à partida, colocamos essa como a nossa meta. Daniel Oliveira parece-me sagaz em apontar algumas fragilidades da petição (que eu também assinei). É que na petição incorre-se no erro de comparar os julgamentos e perdões que se fazem às pessoas com possíveis julgamentos feitos aos animais domésticos.
Resumindo, é preciso ter atenção qual a razão pela qual se abatem animais nestes casos: não é pela sua culpa, mas pelo seu perigo. É importante partirmos daqui no nosso debate, e não partirmos de questões de culpa...
Daniel Oliveira acerta em dizer que os animais (domésticos ou não) não têm o mesmo estatuto dos humanos. Mas Daniel Oliveira começa a errar, "grotescamente", quando passa dessa diferença de estatuto para uma diferença de valor dessas vidas. É a própria diferença de estatuto que impede comparações de valorização. Aliás, se, como diz Daniel Oliveira, e bem, a vida humana tem um valor absoluto, então isso torna-a incomparável em termos valorativos. No fundo, o cronista incorre no mesmo tipo de erro que ele próprio critica: não se trata de punir culpas, mas de abater perigos, porque um cão não se compara com uma pessoa; mas ele próprio vai jogar a sua argumentação no terreno das comparações de valor entre a vida de um cão e a vida de um humano.
No seu texto, Cláudia, há algo de extremamente importante e de que gostei bastante:
a) quando compara o perigo de um cão com os vários perigos a que uma criança está sujeita, salienta o grau de medo neurótico que está subjacente ao argumento do Daniel Oliveira. E se conhecer a tendência intelectual e política do cronista, irá perceber o quanto é contraditório ele apresentar sintomas de "prevencionismo social neurótico"...
b) Ao colocar questões sobre o caso em si (nomeadamente, quando a Cláudia diz «ainda está por determinar se ele foi de facto o causador da morte da criança») está a demonstrar o quanto Daniel Oliveira está a ser precipitado e tendencioso, pois dá toda a questão como fechada e parte dela como pressuposto para o seu artigo, quando há muito que explorar e trabalhar nessa mesma questão.
c) a ideia de que só o abate do cão vai impedir que o perigo se mantenha à solta é extremamente pobre, e gostaria de saber o que DO tem a dizer acerca da sua sugestão de manter o Zico em clausura; gostava mesmo de saber que argumentos daria ele para se opor à ideia.
etc. etc., que isto já vai longo. Eu próprio gostaria de escrever uma resposta a este artigo, mas justamente porque me parece que este artigo até parte de pontos importantes...

nel disse...

Cara Claudia,

Bem exposto e argumentado, dou-lhe toda a razão. Não me vou alongar pois parece-me que a Claudia já disse tudo o que havia para dizer. Espero apenas que tanto debate e discussão sirva para algum fim e que, de uma vez por todas, se criem leis que responsabilizem os proprietários.

Unknown disse...

Muito bem Claudia! subscrevo!!