quinta-feira, 22 de maio de 2008

As Falhas da teoria da Dominância

DOMINÂNCIA COMO PRODUTO DE AGRESSÃO INTERESPÉCIES


Conseguimos compreender os erros no paradigma de dominância se primeiro entendermos que a “dominância” é na realidade um conjunto de comportamentos que podem ser identificados e como tal modificados. E que em quase todos os casos, este conjunto de comportamentos existe dentro de um ainda mais largo spectrum de comportamentos disponíveis e exibidos pelo cão dentro do contexto de relacionamentos sociais no qual o cão opera. Nesta perspectiva, a maior falha no “paradigma da dominância” é incluir a família humana como parte da matilha. A segunda é classificar um dado cão como “dominante”. Relacionado com isto vem a terceira falha, ver a “dominância” como se fosse uma desordem psicológica ou condição na vez dum conjunto de comportamentos exibidos pelo cão em resposta à situação na qual vive.



Falácia Um: Que a família faz parte da Matilha ou “Pack”


Cães e humanos são estranhos um para o outro e as nossas sociedades têm diferentes regras e morais. Se a nossa casa fosse de facto uma matilha canina então deveriamos esperar ter que viver sob as regras dos cães, e isso é claramente impossível. Os cães devem viver sob regras humanas, o que quer dizer que os cães têm que abdicar dos seus modos normais de interacção uma vez que estão a interagir com humanos e não com outros cães. Este facto, só por si diz-nos que o nosso relacionamento com os cães não é intraespecies mas sim interespecies. As mesmas acções que, se dirigidas por um membro de uma espécie contra outro membro da mesma espécie levariam a algum tipo de estabelecimento hierárquico, tomam outro significado diferente quando feitos por um membro de uma espécie contra outro de uma espécie diferente. Como sugere Lindsay, os nosso actos de “disciplina” física são de facto uma forma de agressão interespecies.

Enquanto reconhece que um grupo de cães que permanecam juntos por um determinado período de tempo podem formar uma hierarquia estável, Ian Dunbar diz-nos que:


“Deveriamos também reconhecer que ninguém realmente sabe o que significa ‘dominante’. ‘Dominância’ tornou-se uma palavra cliché para abrangir uma grande variedade de comportamentos e ‘atitudes’, muitas das quais podem ser explicadas e compreendidas sem qualquer referência à ‘dominância’. Também temos um problema semelhante com os termos ‘agressão’ e ‘submissão’”. O problema é exemplificado pela evolução de frases como “agressão submissiva” que quase defia o bom senso. A noção de hierarquias tem sido abusada. Na grande maioria, os cães parecem viver em relativa harmonia com cada membro do seu grupo, cada um geralmente vivendo a sua vida com aparente desinteresse nos assuntos dos outros.” (Dunbar,p.85)
O conceito de “alcateia/matilha” tem um valor metafórico limitado. Nem sequer exprime com precisão o leque de comportamentos dentro de um dado grupo de lobos (Coppinger, pp. 66-67).

Este conceito não pode ser a base para compreender a interacção entre humanos e cães, muito menos para estabelecer uma técnica de treino.


Falácia Dois: Classificar um dado cão como “Dominante”


Este tipo de classificação é uma tendência humana mas ignora as realidades da identidade e interacção canina. Cães são animais interactivos e sociais e respondem grandemente às suas circunstâncias. Ian Dunbar diz-nos que:


“ A noção tradicional de interacção entre cães é de uma relação dual entre dominante/subordinado. Isto significa que quando dois cães se encontram, um domina o outro. Isto é uma formula útil para análises iniciais, mas de longe muito simplista e rígida para totalmente explicar uma situação complexa.” (Dunbar, pp. 88).
Qualquer cão pode ser dominante ou submisso em dada altura dependendo da situação. O aparentemente cão submisso pode na realidade controlar muitas interacções (Dunbar, 88-89). É verdade que alguns cães têm personalidades mais assertivas do que outros, mas no que toca ao treino não ajuda classificar tal cão como “dominante”. O cão com a personalidade mais forte (i.e. “dominante”) poderá também ser o mais receptivo ao treino assim como aquele com mais vontade de trabalhar.


Falácia três: Que a “Dominância” é uma patologia e não um comportamento ou conjunto de comportamentos que podem ser identificados e como tal modificados


Dominância é considerado uma característica problemática e torna-se no prisma através do qual nós identificamos um determinado cão, tal qual se disessemos que um humano tem uma “personalidade de risco” ou “maniaco-depressivo”. Se a dominância fosse um tipo de patologia, então como poderia o treinador lidar com ela? Não podemos colocar o cão “no sofá”do psicólogo. Tudo o que podemos fazer é suprimir as tendências dominantes do cão (assumindo claro que isto é sequer possível), e isto leva inevitavelmente ao castigo físico.


Sendo assim não é de admirar que os Monges devotem 5 páginas do seu livro á recompensa (Monks, pp.36-40) e 11 páginas à disciplina física (Monks,pp.40-50), dando instruções minuciosas da mecânica de como bater num cão debaixo do queixo, do “shakedown” (abanão do cachaço) e do Alpha Roll. Ironicamente, como nota Lindsay, este tipo de acções é muito provavelmente percebida pelos cães como ameaças físicas, desencadeando acções agressivas ainda mais fortes (Lindsay, 168).

Mas assumindo que um determinado cão não se tornou sociopáta, o que é entendido por “dominante” é de facto um comportamento, isto é, um conjunto de acções que o cão faz. Nós podemos identificar estes comportamentos. Estes podem incluir : rosnar, empurrar para ocupar um espaço ou guardar objectos. Uma vez identificado o comportamento, o treinador pode modificar estes comportamentos. O treinador pode ensinar comportamentos incompatíveis e criar uma situação que leve á extinção dos comportamentos indesejados.

Cães não são Humanos


Primeiro, humanos não são cães e cães não são humanos. Não podemos interagir com cães como se fossemos cães. As nossas interacções são interespecies, e nas nossas interacções devemos respeitar as realidades que distinguem Homens de cães. Cães são criaturas sociais e interactivas. Cães são muito melhores do que os humanos nas suas interacções com outros cães do que os humanos são nas suas interacções com outros humanos. É a falta de sensibilidade humana aos sinais sociais que está na causa dos nossos desentendimentos acerca do que é o comportamento social canino. Por exemplo, se dois cães se encontram um com o outro e um desvia o olhar, isto são “boas maneiras” - um sinal comunicativo canino de apaziguamento que irá ajudar a evitar conflitos entre os cães. Se dois humanos se encontram e um averte o olhar, isto sugere desconfiança ou falta de abertura. Se um humano encontra um cão e o cão vira a cabeça, o humano pode tentar fazer com que o cão o olhe nos olhos. Para o humanos isto é amigável. Para o cão, isto é antagónico.


Nós iremos interagir melhor se nos focarmos no comportamento e não na “atitude” dos nosso cães.

Iremos interagir melhor se entendermos que o que nos deverá preocupar é sim o comportamento que o cão produz num dado momento. Poderá existir algum valor em tentar determinar a fonte do comportamento, mas tal análise é muitas vezes especulativa e como tal não poderá ser usada para modificar o comportamento em questão. Por exemplo, alguém poderá determinar um certo tipo de comportamento como “predatório” mas ao fazê-lo não estamos a clarificar as nossas opções.

O Modelo para interacções inter espécies é a simbiose e não a dominância

O dicionário Webster define simbiose como “ o viver intimo de dois organismos, especialmente se tal associação é de vantagem mútua”. Apesar de ser em alguns aspectos incorrecta, isto descreve um paradigma mais apropriado para o relacionamento entre homens e cães. Existe uma vantagem mútua e práctica no relacionamento entre cães e humanos.


Um bom treino parte deste pressuposto e torna-se numa troca na qual o humano diz ao cão “dás-me o que eu quero e eu dou-te o que tu queres”. O cão em retorno, aprende a “dizer” a mesma coisa ao humano. Isto cria uma parceria benéfica na qual “dominância” é totalmente irrelevante.

Condicionamento operante encorpora este aproximação ou “parceria” simbiótica. Reforço positivo é o que nos permite dar ao cão o que ele quer, o que faz com que seja claro para o cão qual o comportamento que o humano quer. “Dominância” não é tema. Como treinador é essencialmente irrelevante para mim se o cão pensa que me está a manipular para me fazer clicar. Na realidade, de várias maneiras sou perfeitamente feliz que o cão pense assim, porque se o faz quer dizer que está extremamente motivado no treino que fazemos.

Esta aproximação é não só benéfica para o profissional ou treinador de competição, mas principalmente para o vulgar dono de cão. Na experiência deste autor, a maioria dos donos de cães não quer estar em conflito com os seus cães e resistem métodos de treino punitivos. Na realidade é possível atingir tudo o que um treinador quiser através do condicionamento operante e reforço positivo. Não é preciso dominar o cão, é sim essencial colocar o cão numa relação de cooperação com o dono.

REFERÊNCIAS


Coppinger, Raymond & Lorna: Dogs – A Startling New Understanding of Canine Origin, Behavior & Evolution
Dunbar, Dr. Ian: Dog Behavior – Why Dogs Do What They Do ©1979, TFH Publications
Hearne, Vicki: Adam’s Task: Calling Animals by Name ©1982, HarperPerennial
Koehler, William: The Koehler Method of Dog Training ©1962, Howell Book Publishing
Lindsay, Steven R. Applied Behavior and Dog Training, Vol. II ©2001, Iowa State University Press
Monks of New Skete, How To Be Your Dog’s Best Friend ©1978, Little Brown
Most, Col. Konrad: Training Dogs – A Manual ©1954 Popular Dogs Publishing Co. Ltd., London; Reprinted 2000 by Dogwise Publishers

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