quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Dominância - o Mito


A teoria da dominância e o facto de que a mesma à luz de muitos treinadores, cientistas, comportamentalistas, etólogos e biólogos e donos de cães é na realidade uma teoria ultrapassada, sem fundamento científico actual, não é segredo. A questão surge para alguns como controversa e polêmica, mas não é nova, nem revolucionária.

Alexandra Semyonova (2003) autora do estudo acerca da organização social canina afirma no seu estudo:

"A teoria da dominância está desesperadamente a necessitar de uma substituição. Schenkel protestou no instante que a teoria foi usada para explicar a organização social de lobos, mas por algum motivo, as pessoas ignoraram-no. Não demorou muito a que o mesmo mito fosse aplicado aos cães. Nem sequer podemos chamar a isto má aplicação da ciência, porque na realidade não é sequer ciência."

Só porque algo desafia aquilo que sempre ouvimos dizer e como tal tomamos como certo, não quer dizer que isso seja a verdade imutável. Aliás não existe tal coisa. A ciência e o conhecimento estão em constante mutação. O que é tomado como certo pode ser provado diferente no futuro. No entanto, o que está provado cientificamente é tido como correcto, até prova em contrário.

Porque é que os treinadores positivos “enchem a boca” com a palavra ciência?

Porque esta é a única que pode dar-nos a informação correcta e actualizada. Num mundo cada vez mais pequeno, em que opiniões se dividem em tantos assuntos, como podemos discernir o certo do errado?
Em séculos passados acreditava-se que a terra era plana e o sol girava em torno da Terra. Tal era a certeza desses conhecimentos que quem disesse o contrário era tido como louco. No entanto, com o desenvolver dos estudos, da ciência e do desenvolvimento de novas teorias, ficou provado que a Terra era redonda e que esta rodava em volta do Sol e não o contrário. E até hoje assim é. Como sabemos? Porque a ciência nos dá essa certeza.

Patrick Hurley escreveu:

"Chamamos, no entanto, a atenção para que dizer que uma crença está justificada não é dizer que é de certeza absoluta verdadeira. Como vimos todas as crenças que têm origem na ciência são na melhor das hipóteses tentativas. Mas essas crenças são as melhores que por agora podemos ter. Do mesmo modo, dizer que uma crença não está justificada não é dizer que é absolutamente falsa. É muito possível que uma crença que se funda hoje na superstição possa amanhã fundar-se na ciência. Mas essa crença não merece aquiescência hoje."


Distinguir ciência da superstição não é preocupação fútil de filósofos de poltrona, como alguns sugeriram, mas uma questão vital para o futuro da civilização."


A teoria da dominância, foi colocada em causa, quando foram feitos estudos acerca da interacção social entre cães e entre lobos. Os vários estudos demonstraram que não só os lobos não detêm uma hierarquia linear, como outros estudos demonstraram que a hierarquia ou organização social entre os cães se diferenciava totalmente da dos lobos.

Surgiu uma nova teroria. A teoria de que os cães, não se relacionam com os humanos da mesma forma que se relacionam entre si, muito menos, que estes se comportam como os lobos.

A capacidade dos lobos prociarem com os cães (coisa que só acontece em ambientes extremamente controlados e artificiais) ou o DNA do cão ser idêntico ao de um lobo, não justifica, nem prova que os cães se comportam como lobos. Muito menos vem justificar o porquê de algumas pessoas teimarem em imitar cães e lobos para conseguirem conviver com os seus animais.

Breno Esposito no seu website acerca da origem do cão doméstico escreve:

“Na verdade, todos os membros do gênero Canis (lobos, coiotes, chacais e o cão selvagem africano) podem cruzar entre si, em cativeiro, gerando descendência fértil. Portanto, se poderia perguntar, "Então, todos eles são da mesma espécie?". A resposta, entretanto, é não. Eu perguntei isso ao corpo técnico do National Museum of Natural History, e a resposta que me deram era mais ou menos a seguinte: "Embora animais silvestres possam cruzar entre si em cativeiro, isso não implica que o façam na natureza. Portanto, não se aceitam registros de intercruzamento em cativeiro para estabelecer a "sinonimização" das espécies. Ou seja, o conceito de "espécie" leva em conta apenas àqueles cruzamentos que ocorrem na natureza, devidamente comprovados, e não em cativeiro.”

A genética por si só, não dita o comportamento de um animal e este é o facto mais importante de todos.

A genética não é um factor totalitário e único no desenvolvimento comportamental de nenhum animal. Obviamente que a genética desempenha um papel no carácter e temperamento de um cão. Por isso sabemos que os Border Collies podem ser óptimos cães de pastoreio, ou que os Rottweilers, podem ser bons cães de guarda. Tudo isto é resultado de características inerentes à raça e que são passadas de geração em geração. No entanto,quem já não se deparou com um Border Collie que não consegue pastorear, ou quem não conhece um Rottweiler que quer é lamber os visitantes todos? Porque é que isto acontece? Se a genética ditasse o comportamento estes casos não seriam possíveis....

Para além do factor genético existe uma lista de outros factores que em conjunto vão determinar que tipo de cão vamos ter. Factores como treino, socialização, educação, regras, etc. Se formos buscar um Border Collie e nunca oa treinarmos ou socializarmos este certamente não irá pastorear ovelha nenhuma, poderá querer atacar uma, ou fugir dela. A sua predisposição genética para o pastoreio s, não irá tornar um BC num óptimo cão de pastoreio, algo mais tem que existir.

Como tal, afirmar que porque a genética do cão e do lobo são idênticas, nós temos que olhar para o comportamentos dos lobos e aplicá-lo aos cães, está completamente errado, e só levará a problemas graves no relacionamento que detemos com os nossos animais de estimação.

Alguns defendem que o comportamento dos cães se assemelha ao dos lobos, mas apenas em alguns aspectos. As diferenças entre lobos e cães são imensas. Desde diferenças físicas desde diferenças comportamentais.

Pessoas como a Dra Patricia Macconnell - etóloga e a Dra. Sophia Yin - Veterinária doutorada em comportamento animal, ambas presentemente trabalham como treinadoras e especialistas em comportamento canino com grande reconhecimento mundial, estudaram e treinaram lobos e referem que os comportamentos do lobo em cativeiro são totalmente diferentes dos comportamentos dos nossos cães.


A maioria das pessoas que têm um cão em casa, pouco ou nada percebe realmente de cães. Ao dono de cão comum, pouco lhe interessa quem foi Konrad Lorenz ou e muitas poucas pessoas sabem ou precisam de saber quem é Thorleif Schjelderup-Ebbe o cientista que, em 1921 ao estudar galinhas, cunhou o termo hierarquia linear e que depois foi erradamente aplicada aos lobos e que incrivelmente ainda é defendida hoje em dia por muitos (apesar das evidentes provas em contrário).




No entanto a esses donos de cães é muitas vezes dito, que têm que lidar com o cachorro como se fossem líderes da matilha, á imagem dos lobos. Isto é tão rebuscado que toca o ridículo. A pessoa que tem dificuldades em ensinar o cachorro a fazer as necessidades no local correcto, tem que subitamente saber imitar o comportamento de um lobo alpha dentro de uma matilha???

Eu entraria em pânico se a minha convivência e relacionamento com os meus cães, dependesse unicamente da minha capacidade de copiar o comportamento de lobos, nem vou tão longe, se me disessem que teria que imitar a mãe do meu cachorro para ser bem sucedida a educá-lo e treiná-lo eu iria entrar em parafuso! Eu não tenho os reflexos, capacidades , sentidos apurados nem destreza comunicacional de um cão, e sinceramente nem prentendo ter, não preciso.

Dominância e desobediência estão de mãos dadas na boca de muitos treinadores tradicionais.
O cachorro que mordisca as mãos, está a fazer aquilo que é normalíssimo para ele, brincar, pois é assim que eles brincam, mordiscando tudo e usando a boca para explorar o mundo. Já os humanos nao brincam a morderem-se uns aos outros e a não ser que ensinemos ao cachorro como ele pode brincar connosco ele continuará a fazer aquilo que lhe é natural e saudável.

Agarrar no cachaço de um cachorro e berrar-lhe aos ouvidos, morder-lhe os beiços ou bater-lhe no lombo, para nomear algumas das sugestões que ouço e leio por aí, pode até fazer com que o cachorro pare o comportamento (temporrariamente e apenas porque o magoamos), mas também ensina o cachorro que brincar com os donos é má ideia, isto é acabamos de ensinar ao cão que não é permitido brincar com os donos – eu não consigo pensar em nada mais detrimental para o relacionamento e algo que eu pessoalmente odiaria, incutir a ideia ao meu cão que não pode brincar comigo.

Inibimos e castigamos um comportamento natural num cão. Ao castigarmos o cão não lhe estamos a ensinar nada. Estamos apenas a castigá-lo. O cão aprendeu que mordiscar nas mãos do dono resulta em algo desagradável e aversivo, mas não aprendeu o que fazer se quiser brincar com o dono.

Já para não falar nos cães que não vão tolerar este tipo de ameaça física e desenvolvem problemas comportamentais. Uns ladram aos donos, outros rosnam e outros mordem. O cão reage assim porque se está a defender, nos olhos do dono, confirma-se a dominância do cão, que não se deixa castigar silenciosamente.


Então porque será que tantas pessoas acreditam piamente que devemos imitar lobos e cães, quando o nosso relacionamento com os nossos cães, está tão longe daquele de um matilha de lobos ou cães?


Somos nós na realidade que controlamos os recursos todos. Nós é que damos de comer, abrigo, segurança, providenciamos interacções sociais, passeios, segurança, visitas ao veterinário, etc. O que tudo isto tem haver com lobos está para lá da compreensão lógica de qualquer um.

Eu NUNCA vi uma cadela a agarrar um cachorro pelo cachaço e abanar de um lado para o outro como forma de o ensinar nada. Isto não está documentado em lado nenhum! Nem faz sentido que assim seja, essa manobra, implica um perigo grande em magoar o cachorro que vai contra a natura da procriação e da perservação da própria espécie.

A única ocasião na qual podemos presenciar uma cadela a pegar num cachorro pelo cachaço é para transportá-lo de um local para o outro e isto normalmente ocorre quando os cachorros são muito pequeninos e o seu peso permite que a cadela faça isso, sem os magoar. Pegar no cachaço de um cachorro de 5 meses não é educação, é abuso.

As cadelas quando os cachorros magoam, muitas vezes “zangam-se” com eles. Dão uma rosnadela, e abocanham o ar, virando o focinho na sua direacção. Mas NUNCA nenhuma cadela (excluindo casos raros nos quais as cadelas maltratam e matam as crias) sequer tocam neles, porque mais uma vez isto seria um conflito com a preservação e protecção dos cachorros. Basta um “chega para lá”. Muitas cadelas, simplesmente levantam-se e saem do local.

Isto comparado com o nosso manuseamento físico e agressivos dos cachorros é uma diferença abismal. Para além de que não somos nem cães, nem as mães dos cachorros, nem temos as mesmas capacidades comunicacionais, reflexos e nem sabemos interpretar os sinais comunicativos caninos da mesma forma que os cães o fazem.

Estes comportamentos estão documentados em estudos feitos por pessoas que passaram as suas vidas a observar os cães e lobos a recolher dados concretos - David L. Mech efectuou um estudo de 30 anos a observar grupos de lobos no seu ambiente natural e vem colocar muitos mitos por terra. Continuar a basear as nossas interpretações dos lobos em estudos desactualizados e desacreditados é ignorância (no sentido de falta de conhecimento).

Qual o melhor animal para observarmos que nos dará uma compreensão correcta de como interagem e vivem os cães, do que observarmos os próprios cães? Se temos tantos cães para observar porque olhamos para os lobos??? Porque esta obsessão por um animal tão diferente do nosso cão? E que papel desempenha o ser humano como espécie diferente no meio disto tudo?

Somos espécies diferentes, e somos dotados de uma inteligência muito superior, que felizmente nos permitiu desenvolver métodos e técnicas de como educar e treinar os nossos cães, que funcionam e respeitam os mesmos. Dizer que a melhor forma de educar um cão é imitar uma espécie inferior à nossa é negar a nossa inteligência e a nossa superioridade.

Todos os dias milhares de pessoas lidam com os seus cães, usando estas técnicas. Nunca imitam nem cães, nem lobos e obtêm resultados melhores, na medida em que se abstêm de tentar ser aquilo que não são. Não correm o risco de serem mal interpretadas, apenas aplicam aquilo que resulta e constroem uma relação de amizade e cooperação com os seus cães. Afinal de contas temos cães em casa porque os domesticamos e porque estes são nossos companheiros, o fiel e melhor amigo do homem. Está na altura de começarmos também nós a retribuir e agirmos como se fossemos o melhor amigo do cão.

Esqueçamos os relacionamentos antagonísticos, controversos e as guerrilhas hierárquicas. Os nossos cães não passam o tempo a conjurar uma forma de subirem numa estrutura hierárquica que não existe.

Mesmo que existisse que interesse teria um cão em ser dominante sobre nós? A não ser que ele aprenda a ir ao supermercado comprar a ração e cozinhar para nós, a levar os nossos filhos à escola e a levar-nos ao médico quando estamos doentes, o maior conforto que o cão pode ter é precisamente saber que nós inadvertidamente e por defeito controlamos TODOS os recursos que realmente importam.

Os meus cães quando dormem no sofá fazem-no para estarem mais perto de mim e eu gosto, ou simplesmente porque é mais quente ou fofo que o chão. No verão o meu cão, acha que o melhor sítio para dormir é o chão fresco de azulejo da cozinha e eu não vou expulsá-lo do chão da cozinha e vou dormir para lá apenas porque o meu cão acha que é o local preferível!

Na realidade a extrapolação destes comportamentos é tal que a maioria nem vale a pena discutir ou argumentar.

A minha mensagem do ano de 2009 é apenas uma, nas palavras de B.F.Skinner:

"Não considere nenhuma prática como imutável. Mude e esteja pronto a mudar novamente. Não aceite a verdade eterna. Experimente."


Fontes e recursos:


- Patrick J. Hurley, A Concise Introduction to Logic, Wadsworth, Belmont, 2000, pp. 588-606. http://www.filedu.com/pjhurleycienciaesupersticao.html






- Drª Patricia Macconnell - http://www.dogstardaily.com/blogger/1385


- Alexandra Semyonova, The Social Organization of the Domestic Dog; A Longitudinal Study of Domestic Canine Behavior and the Ontogeny of Domestic Canine Social Systems, - http://www.nonlineardogs.com/embed-SocOrg.html











1 comentário:

Morgana disse...

Muito bom post,com certeza as relações sociais caninas e canino/humanos não seguem um padrão de dominancia linear,mas algo do tipo dominancia circunstancial e cruzada ou alternada.
Nada de tentar imitar comportamentos lupinos ou wolverinos para ensinar nossos cães.Basta inteligência,boa vontade,objetividade e carinho.Como faríamos com qualquer primata infantil de nossa própria espécie.