Estudos actuais, desafiam a ideia do cão alfa
Para que quase todas as discussões acerca de treino de cães e de comportamento de cães acabam no tema da dominância. Aos donos de cães é dito que devem ser “os líderes da matilha” e “os alfas na sua casa”. Um motivo pelo qual este assunto se tornou tão comum deve-se à recente popularidade de Cesar Millan que se auto-entitulou de “Encantador de Cães” e que popularizou o uso de métodos baseados na força para exercer dominância em cães “difíceis”.
Os métodos usados por Millan são motivo de controvérsia no mundo dos treinadores, comportamentalistas e pesquisadores caninos. Para começar, o uso do nome “encantador de cães” parece estranho, uma vez que é uma adaptação do termo “encantador de cavalos” que foi usado para descrever pessoas como Willis J. Powell e Monty Roberts. Eles eram apelidados de “encantadores” porque abandonaram o uso da força que era a forma mais comum de lidar com cavalos difíceis e agressivos e usavam métodos muito mais gentis.
As técnicas usadas por Cesar Millan fizeram com que profissionais tais como Jean Donaldson, directora da ASPCA academia para treinadores de cães de São Francisco, comentarem que: “ uma profissão que tem feito constante evoluções a nível de profissionalismo, sofisticação tecnológica e standards humanos foi empurrada para trás… Usar uma palavra como “encantador” para usar métodos arcaicos, violentos e tecnicamente fracos é uma falta de consciência”. Ela estava suficientemente aborrecida para em colaboração com o Dr. Dunbar, que é um respeitado comportamentalista canino, graduado em medicina veterinária e mestrado em psicologia, produzirem um DVD intitulado “Fighting Dominance in a Dog Whispering World” que ataca especificamente os métodos usados no programa de Millan.
No entanto, ao invés de nos focarmos no Cesar Millan e nas suas técnicas de treino, existe uma questão fundamental que deve ser abordada, nomeadamente, será o conceito de dominância canina – especificamente a ideia de que o lobo alfa é o líder da matilha – válido?
A explicação original da diferença básica entre dominância e submissão nos cães vem de Konrad Lorenz no seu livro “king’s Solomon Ring” (1949). Lorenz, que foi um etólogo vencedor de um prémio Nobel e comportamentalista animal, baseou a sua ideia nas observações dos seus próprios cães. Se um cão se tornava agressivo e poderoso (dominante) o outro cão reconhecia esse poder rolando de barriga para cima (submissão). Lorenz achou que os humanos também tinham que ter um relacionamento dominante com os cães, porque ele quando agredia ou ameaçava um dos seus cães eles agiam de forma semelhante à submissão perante ele.
O pensamento dos cientista reflecte sempre a cultura e crenças da era histórica e do local onde se enquadram. Lorenz nasceu na Austria em 1903. O seu pensamento acerca dos cães, era sem dúvida influenciado pelos métodos de treino comuns na altura, muitos dos quais desenvolvidos pelos militares alemães para ensinar cães de guerra. Os métodos usados para treinar esses cães reflectiam as atitudes dos militares da altura e era baseadas em disciplina rígida suportada por força quando necessário. Algumas ferramentas que na altura foram desenvolvidas para treino reflectem esta atitude, como uma trela entrançada e rígida no final que era virada do avesso e usada como chicote se o cão não obedecia.
O Coronel Konrad Lorenz sumarizou a filosofia germânica quando escreveu: “ Na ausência de compulsão nem a educação humana nem o treino canino são possíveis. Até o dono de cão mais gentil não poderá chegar a termo com o seu companheiro sem alguma forma de compulsão”. Por outra palavras, é necessário usar força para estabelecer dominância e depois usar essa dominância para controlar o comportamento do cão.
A primeira pesquisa acerca de comportamento de lobos, parecia apoiar a ideia de uma hierarquia social rígida do tipo militar, usualmente apoiada nos confrontamentos físicos que iriam estabelecer o líder – “ lobo alfa” – que mantinha a sua liderança através da força e da intimidação. Infelizmente, pesquisas posteriores demonstram que esta é uma visão errada e artificial da organização social canina.
David L. Mech, cientista Sénior para o departamento do Interior Americano, foi uma das primeiras pessoas a estudar o comportamento dos lobos no ambiente natural. No seu livro em 1970, ele foi influenciado pelos conceitos antigos, tais como os de Lorenz e referiu-se ao líder da matilha de lobos como o “alfa”. Olhando para trás, e passados 40 anos, ele chegou à conclusão da dubiedade deste conceito. Ele agora duvida da utilidade de tal conceito simplesmente porque implica que o lobo lutou para determinar dominância.
Na realidade, quando chegam à idade matura, os lobos deixam a sua matilha natural para procriar e ter ninhadas que depois se irão transformar na nova matilha. A dominância existe da mesma forma que os pais humanos dominam os seus filhos, pelo menos enquanto estes vivem na família. Tal como nas famílias humanas, os pais estabelecem regras e os filhos entendem-se entre eles. Por causa desta descoberta, o Dr. David Mech prefere não usar o termo alfa e usar o termo “macho ou fêmea que procria” ou simplesmente o lobo pai e a loba mãe. A ideia do alfa parece ser real apenas em matilhas artificiais quando vários indivíduos não relacionados, são colocados numa mesma matilha, em cativeiro, e onde existem vários lobos em idade de procriar. Nestes grupos artificiais, os animais costestam uma liderança e um lobo alfa irá surgir.
Claro que lobos não são cães, por isso vamos olhar para a mais recente pesquisa (2010) efectuada por Roberto Bonanni na Universidade de Parma. Eles observaram matilhas de cães ferais em Itália e descobriram que a liderança era algo muito fluente. Por exemplo, numa matilha com 27 membros, 6 dos cães habitualmente lideravam à vez. Os cães que habitualmente lideravam o grupo eram usualmente os mais velhos, os mais experiente, mas não necessariamente os mais dominantes. A matilha parecia permitir a liderança a cães que em alturas particulares poderiam contribuir para o bem-estar geral do grupo através do seu conhecimento em aceder a recursos de interesse.
O motivo pelo qual tudo isto é importante, é porque nos diz (independentemente das preocupações acerca do uso excessivo da força) que as técnicas usadas pelo Cesar Millan, e por muitos outros treinadores que usam conceitos do tipo militar da hierarquia social dos cães como base para o treino e resolução de comportamentos, é baseada numa premissa falsa. É uma ideia que originou do treino de cães pelos militares germânicos na viragem do século passado e da generalização das pesquisas acerca de lobos antigas elaboradas em lobos de matilhas artificiais.
Talvez esteja na altura de rever os nossos conceitos de treino e obediência e pensar nas linhas propostas pelos treinadores que advocam o treino com reforço positivo. Nessa perspectiva, o controlo do comportamento do cão é obtido através do controlo de tudo aquilo que o cão quer e precisa, tal como comida, interacção social, ao invés de se basear na força para atingir aquilo que a ciência hoje em dia chama de uma dominância artificial sobre o cão. Se você controlar os recursos, o cão irá responder por interesse próprio. Como tal esta aproximação à modificação comportamental tem o mesmo efeito que uma dominância imposta através da força para controlar o comportamento do cão. No entanto, ao invés duma “dominância” baseada na força, intimidação e ameaças, o reforço positivo aproxima-se mais do estabelecimento do status social. Qualquer um pode responder ao controlo imposto por alguém de status mais elevado, mas é feito não por medo, mas por respeito e antecipação de recompensas que podem ser esperadas se o fizerem.
Stanley Coren é o autor de muitos livros incluindo: The Modern Dog, Why Do Dogs Have Wet Noses? The Pawprints of History, How Dogs Think, How To Speak Dog, Why We Love the Dogs We Do, What Do Dogs Know? The Intelligence of Dogs, Why Does My Dog Act That Way? Understanding Dogs for Dummies, Sleep Thieves, The Left-hander Syndrome
Os métodos usados por Millan são motivo de controvérsia no mundo dos treinadores, comportamentalistas e pesquisadores caninos. Para começar, o uso do nome “encantador de cães” parece estranho, uma vez que é uma adaptação do termo “encantador de cavalos” que foi usado para descrever pessoas como Willis J. Powell e Monty Roberts. Eles eram apelidados de “encantadores” porque abandonaram o uso da força que era a forma mais comum de lidar com cavalos difíceis e agressivos e usavam métodos muito mais gentis.
As técnicas usadas por Cesar Millan fizeram com que profissionais tais como Jean Donaldson, directora da ASPCA academia para treinadores de cães de São Francisco, comentarem que: “ uma profissão que tem feito constante evoluções a nível de profissionalismo, sofisticação tecnológica e standards humanos foi empurrada para trás… Usar uma palavra como “encantador” para usar métodos arcaicos, violentos e tecnicamente fracos é uma falta de consciência”. Ela estava suficientemente aborrecida para em colaboração com o Dr. Dunbar, que é um respeitado comportamentalista canino, graduado em medicina veterinária e mestrado em psicologia, produzirem um DVD intitulado “Fighting Dominance in a Dog Whispering World” que ataca especificamente os métodos usados no programa de Millan.
No entanto, ao invés de nos focarmos no Cesar Millan e nas suas técnicas de treino, existe uma questão fundamental que deve ser abordada, nomeadamente, será o conceito de dominância canina – especificamente a ideia de que o lobo alfa é o líder da matilha – válido?
A explicação original da diferença básica entre dominância e submissão nos cães vem de Konrad Lorenz no seu livro “king’s Solomon Ring” (1949). Lorenz, que foi um etólogo vencedor de um prémio Nobel e comportamentalista animal, baseou a sua ideia nas observações dos seus próprios cães. Se um cão se tornava agressivo e poderoso (dominante) o outro cão reconhecia esse poder rolando de barriga para cima (submissão). Lorenz achou que os humanos também tinham que ter um relacionamento dominante com os cães, porque ele quando agredia ou ameaçava um dos seus cães eles agiam de forma semelhante à submissão perante ele.
O pensamento dos cientista reflecte sempre a cultura e crenças da era histórica e do local onde se enquadram. Lorenz nasceu na Austria em 1903. O seu pensamento acerca dos cães, era sem dúvida influenciado pelos métodos de treino comuns na altura, muitos dos quais desenvolvidos pelos militares alemães para ensinar cães de guerra. Os métodos usados para treinar esses cães reflectiam as atitudes dos militares da altura e era baseadas em disciplina rígida suportada por força quando necessário. Algumas ferramentas que na altura foram desenvolvidas para treino reflectem esta atitude, como uma trela entrançada e rígida no final que era virada do avesso e usada como chicote se o cão não obedecia.
O Coronel Konrad Lorenz sumarizou a filosofia germânica quando escreveu: “ Na ausência de compulsão nem a educação humana nem o treino canino são possíveis. Até o dono de cão mais gentil não poderá chegar a termo com o seu companheiro sem alguma forma de compulsão”. Por outra palavras, é necessário usar força para estabelecer dominância e depois usar essa dominância para controlar o comportamento do cão.
A primeira pesquisa acerca de comportamento de lobos, parecia apoiar a ideia de uma hierarquia social rígida do tipo militar, usualmente apoiada nos confrontamentos físicos que iriam estabelecer o líder – “ lobo alfa” – que mantinha a sua liderança através da força e da intimidação. Infelizmente, pesquisas posteriores demonstram que esta é uma visão errada e artificial da organização social canina.
David L. Mech, cientista Sénior para o departamento do Interior Americano, foi uma das primeiras pessoas a estudar o comportamento dos lobos no ambiente natural. No seu livro em 1970, ele foi influenciado pelos conceitos antigos, tais como os de Lorenz e referiu-se ao líder da matilha de lobos como o “alfa”. Olhando para trás, e passados 40 anos, ele chegou à conclusão da dubiedade deste conceito. Ele agora duvida da utilidade de tal conceito simplesmente porque implica que o lobo lutou para determinar dominância.
Na realidade, quando chegam à idade matura, os lobos deixam a sua matilha natural para procriar e ter ninhadas que depois se irão transformar na nova matilha. A dominância existe da mesma forma que os pais humanos dominam os seus filhos, pelo menos enquanto estes vivem na família. Tal como nas famílias humanas, os pais estabelecem regras e os filhos entendem-se entre eles. Por causa desta descoberta, o Dr. David Mech prefere não usar o termo alfa e usar o termo “macho ou fêmea que procria” ou simplesmente o lobo pai e a loba mãe. A ideia do alfa parece ser real apenas em matilhas artificiais quando vários indivíduos não relacionados, são colocados numa mesma matilha, em cativeiro, e onde existem vários lobos em idade de procriar. Nestes grupos artificiais, os animais costestam uma liderança e um lobo alfa irá surgir.
Claro que lobos não são cães, por isso vamos olhar para a mais recente pesquisa (2010) efectuada por Roberto Bonanni na Universidade de Parma. Eles observaram matilhas de cães ferais em Itália e descobriram que a liderança era algo muito fluente. Por exemplo, numa matilha com 27 membros, 6 dos cães habitualmente lideravam à vez. Os cães que habitualmente lideravam o grupo eram usualmente os mais velhos, os mais experiente, mas não necessariamente os mais dominantes. A matilha parecia permitir a liderança a cães que em alturas particulares poderiam contribuir para o bem-estar geral do grupo através do seu conhecimento em aceder a recursos de interesse.
O motivo pelo qual tudo isto é importante, é porque nos diz (independentemente das preocupações acerca do uso excessivo da força) que as técnicas usadas pelo Cesar Millan, e por muitos outros treinadores que usam conceitos do tipo militar da hierarquia social dos cães como base para o treino e resolução de comportamentos, é baseada numa premissa falsa. É uma ideia que originou do treino de cães pelos militares germânicos na viragem do século passado e da generalização das pesquisas acerca de lobos antigas elaboradas em lobos de matilhas artificiais.
Talvez esteja na altura de rever os nossos conceitos de treino e obediência e pensar nas linhas propostas pelos treinadores que advocam o treino com reforço positivo. Nessa perspectiva, o controlo do comportamento do cão é obtido através do controlo de tudo aquilo que o cão quer e precisa, tal como comida, interacção social, ao invés de se basear na força para atingir aquilo que a ciência hoje em dia chama de uma dominância artificial sobre o cão. Se você controlar os recursos, o cão irá responder por interesse próprio. Como tal esta aproximação à modificação comportamental tem o mesmo efeito que uma dominância imposta através da força para controlar o comportamento do cão. No entanto, ao invés duma “dominância” baseada na força, intimidação e ameaças, o reforço positivo aproxima-se mais do estabelecimento do status social. Qualquer um pode responder ao controlo imposto por alguém de status mais elevado, mas é feito não por medo, mas por respeito e antecipação de recompensas que podem ser esperadas se o fizerem.
Stanley Coren é o autor de muitos livros incluindo: The Modern Dog, Why Do Dogs Have Wet Noses? The Pawprints of History, How Dogs Think, How To Speak Dog, Why We Love the Dogs We Do, What Do Dogs Know? The Intelligence of Dogs, Why Does My Dog Act That Way? Understanding Dogs for Dummies, Sleep Thieves, The Left-hander Syndrome
5 comentários:
Excelente matéria. Parabéns.
Tudo no mundo evolui. O Espírito evolui. O planeta Terra evolui. A forma de educar as crianças tem evoluido. Então porque não evoluirmos também na educação dos cães, estes seres que 24 horas por dia nos dá somente amor e fidelidade?
Chega de violência e uso de força, vamos utilizar o amor para educar os cães.
Excelente matéria. Parabéns.
Tudo no mundo evolui. O planeta Terra está evoluindo. O Espírito evolui. A forma de educar as crianças está evoluindo. Então por que não evoluirmos na forma de educarmos os animais, especialmente os cães, que são seres que nos dispensa 24 horas por dia todo o seu amor e fidelidade?
Chega de violência, chega de agressividade, chega de uso de força. Vamos educar com carinho e amor este ser abençoado por Deus.
Parabéns por este post está muito bem escrito... bjx
muito bom esse post!!
existem adestradores que dizem não existir nenhuma relação de dominância entre cães ou entre cães e humanos,
queria saber qual é a sua opinião nesse assunto,
existem momentos que dominancia pode ser considerada?
Bjs!
Olá Mari,
Obrigada pelo comentário. A dominância é uma palavra mal interpretada pela maioria das pessoas. Sendo assim eu prefiro dizer que as organizações sociais entre cães existem obviamente e são não lineares ou flexíveis, isto é, a dominância não é fixa, em determinados momentos, situações ou encontros um cão pode dominar uma situação e nos 5 mnts seguintes isso mudar. Importante também referir que dominar não é sinónimo de força ou agressão.
Quanto a dominância entre pessoas e cães, é inexistente, os cães não formam hierarquias com pessoas, a hierarquia social não é inter específica é apenas intra específica (entre indivíduos da mesma espécie).
Cpts
Claudia
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