As pessoas adquirem uma certa raça ou um
certo cão porque acreditam que eles serão bons “cães de guarda” ou porque
querem um “cão de guarda”.
Mas o que é afinal um cão de guarda?
Ao longo dos anos tenho ouvido as
perspetivas de diferentes pessoas acerca do que acreditam ser um cão de guarda.
Algumas descrevem o cão de guarda, como um que vai atacar os ladrões ou pessoas
que queiram fazer mal à família humana. Outros esperam que o cão adquira um sentido
humano de moralidade e valorize objectos e que saiba protege-los. Outros
descrevem um cão de guarda como um cão “mau” para todos os que se aproximem,
menos as pessoas que são da família.
Um cão de guarda é, em geral, muitas
vezes entendido como um cão que sabe a quem e quando demonstrar comportamentos
agressivos – enquanto sabe também ser o cão mais sociável e amigável com todas
as outras pessoas.
Aquilo que chamo cães de alerta, são a
grande maioria dos cães que temos connosco. A maioria dos cães, ladram quando
ouvem um barulho fora do normal dentro ou perto da propriedade. A maioria dos
cães alerta, ladrando para algum movimento ou som fora do normal.
Tendo em conta estas duas distinções,
garanto que a maioria dos cães (salvo raras exceções) são ótimos a alertar para
algo suspeito que aconteça perto da sua casa. O problema está quando o humano
pensa na questão da guarda, e essa sim precisa ser esquecida, porque tem
implicações perigosas e muitas vezes irresponsáveis.
Objectificação dos cães
Os cães não são objectos que devem ser
usados para nossa proteção. Eles são, tal como nós, animais sencientes, que se
assustam, sentem medo e insegurança. Muitas vezes, os comportamentos agressivos
veem exactamente desses sentimentos de insegurança, e acredito que ninguém
queira o seu cão num pátio escuro à noite petrificado de medo a ladrar para
todos os sons e movimentos enquanto a isso chamam de um “bom cão de guarda”.
É importante também reconhecermos que
vivemos numa sociedade humana que tem pouca ou nenhuma tolerância para o
comportamento agressivo de outras espécies, direcionado a pessoas. Na nossa
sociedade é perfeitamente “normal” matarmos um animal que demonstre qualquer
tipo de comportamento agressivo direcionado a pessoas, mesmo que seja em autodefesa.
Portanto, quando adquirimos um cão com o intuito de que o mesmo possa algum dia
causar dano a outra pessoa, estamos a brincar com a vida do cão.
Eu protejo os cães pois sou responsável por eles. Os tutores de cães devem
estar ali maioritariamente para proteger os seus cães e não o contrário.
Os meus cães nunca ficam fora de casa
quando saio. Se eu saio de casa, os meus cães ou cães que estejam comigo são
colocados dentro de casa. Dessa forma eu evito que alguém os roube, envenene ou
magoe.
Se eles estiverem dentro de casa, sei
que estão não só mais seguros como mais confortáveis e sei também que se alguém
se aproximar da casa, eles vão ladrar e que a pessoa vai conseguir
ouvi-los. É muito mais difícil causar dano, envenenar ou deter um cão que
está fechado dentro de casa. Como tal a sua casa e o seu cão, ficam muito
mais seguros se o seu cão estiver dentro e não num jardim, preso num canil ou
preso numa corrente (cães presos a
correntes não protegem absolutamente nada para além de ser uma prática
criminosa e abusiva).
Eu sempre aconselho as pessoas que
questionam acerca de qual o melhor cão de guarda, a adquirirem a raça alarme. Os
alarmes são, sem sombra de dúvida, os melhores detentores de ladrões ou pessoas
com más intenções. Um cão, por outro lado, é um amigo, um companheiro, parte da
família, um animal com sentimentos, e não deve ser usado como um objeto, como
um alarme ou uma pistola.
Infelizmente a história fala de cães que
foram usados durante séculos como cães de guarda, claro que falamos de centenas
de anos atrás, quando quase todos os cães tinham uma tarefa dentro da nossa
sociedade e onde o companheirismo era raro.
A “guarda” de que tantos falam, era
muitas vezes ligada à guarda de animais que eram transportados para as feiras,
por exemplo, guarda de gado, de ovelhas, de animais que eram a subsistência da
família. Este historial infelizmente, ainda é extrapolado para o presente,
apesar de nada do passado ter referência hoje em dia, nem o que fazemos, nem o
papel que os cães desempenham na nossa vida. Muitos treinadores e criadores
tentam vender aos tutores a ideia bizarra de que certas raças serão óptimas
para proteger os seus filhos e propriedade e isso deveria ser proibido num país
onde existem leis que têm como intuito evitar acidentes de mordidas entre cães
e pessoas. É um contrassenso e uma boa e gorda mentira.
Hoje em dia, os cães dormem perto de
nós, passeiam connosco, brincam com os nossos filhos, adormecem no sofá
connosco e acompanham-nos nos passeios em dias de sol. Hoje em dia os cães são
vistos como amigos e companheiros e não como animais com um propósito único de
guardar gado, ou neste caso no nosso Porsche, por exemplo.
Portanto, a ideia de que certas raças de
cães darão bons cães de guarda, não é verdade. Nenhum cão nasce com sentido de
moralidade e mesmo que o fizesse essa moralidade não era certamente igual à
humana.
Os cães não vão conseguir distinguir um
amigo de um inimigo nos mesmos termos do seu tutor, eles irão fazê-lo nos seus termos,
o que quer dizer que se você não sociabilizar o seu cão e educa-lo e optar por
treiná-lo com métodos aversivos, conseguirá criar um cão medroso e inseguro que
rapidamente aprenderá a usar comportamentos agressivos para afastar as pessoas
das quais tem tanto receio e a isso muitas pessoas chamam guarda. Na lei isso
denomina-se um cão perigoso.
Claro, já todos ouvimos e lemos
histórias de cães que apanharam ladrões, morderam pessoas mal-intencionadas que
invadiram uma propriedade, protegeram os seus tutores durante um passeio. Não
há muito tempo ouvi uma história de um gato que atacou um ladrão que entrou na
casa dos tutores enquanto estes dormiam e conseguiu que ele fosse apanhado e
preso.
A parte romântica destas histórias
leva-nos a esquecer o facto de que o tal cão atacava qualquer pessoa que se
aproximasse do tutor, e apenas calhou que naquele dia era um ladrão, e que o
gato não tolerava estranhos dentro de casa, e que qualquer uma destas histórias
ao invés de heróicas poderiam ter sido desastrosas se fossem com a criança que
vive na casa ao lado, o entregador de pizzas ou qualquer outra pessoa que
viesse por bem.
Algumas pessoas podem estar a
interrogar-se se não será verosímil entretermos a ideia de que os cães podem de
facto compreender de alguma forma quando uma pessoa que lhes é próxima esteja
em perigo. Apesar de não existirem estudos, eu sou uma das pessoas que
considera essa ideia uma bastante provável de ser verdadeira. No entanto, isto
não muda em nada a forma como eu vejo os cães e como vejo que somos nós que
devemos protegê-los e não ao contrário.
Se algum dia acontecesse alguma coisa e
os meus cães me protegessem eu iria ficar muito agradecida mas não seria algo
que eu esperaria e muito menos algo que treinaria para que fosse feito. Eu
jamais quereria colocar a vida dos meus cães em perigo.
Cães polícia são muitas vezes usados
como exemplo, no entanto, estes não são exemplo para ninguém, a não ser para os
polícias e o que fazem lá. Os cães usados pelos polícias, são cães com treino diário
e muito específico. Manuseado por uma ou duas pessoas, que vivem uma vida muito
específica. Nunca vemos cães polícia a correrem livremente num parque ou a
cumprimentar pessoas com a cauda a abanar enquanto passeiam na rua. Cães
polícia, são cães que vivem extremamente controlados e que são usados para um
propósito específico. A maioria vive em canis e só sai para treinar ou
trabalhar. E não policias não fazem bons treinadores do seu cãozinho de
companhia!
Existem treinadores que treinam cães de
guarda, e a irresponsabilidade de tal acto é quase absurda!
Num mundo que lança leis de cães
potencialmente perigosos e/ou perigosos, com o intuito de proteger a população
de mordidas e acidentes com cães, é no mínimo estranho que treinadores que na
sua grande maioria usa métodos antiquados e ultrapassados, sejam permitidos a
treinar cães a morderem indiscriminadamente e os coloquem nas mãos de tutores
comuns que nada entendem de como lidar com cães.
Onde fica a segurança das pessoas nestas alturas?
A maioria dos acidentes dos cães que
saem dos portões das propriedades e atacam a primeira pessoa que veem à frente,
advêm de cães isolados e treinados para serem cães de guarda. É
inadmissível que usemos os cães desta forma apenas para que sejam eles e outras
pessoas, vitimas desta cultura egocentrista e ultrapassada.
Vamos portanto, como comunidade, reflectir
sobre o tema. Não existe lugar no século XXI para tratarmos cães como objectos
que podem ser descartados e usados unicamente para benefício humano e dos seus
pertences. Cães merecem mais e melhor, se as ultimas décadas nos deram algo
sobre os cães, foi o entendimento do relacionamento estreito e tão unido que
temos com estes animais, está na hora de começarmos a honrar este
relacionamento.
Claudia Estanislau
-IAAD – Its All About Dogs
DTBC,
IAABC, LLA, PPG