domingo, 17 de agosto de 2008



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A ideia de que o cão é um lobo domesticado tem uma grande atracção romântica para nós. Nós imaginamos o grande Lobo cinzento das regiões nortenhas da Terra, um animal poderoso que pesa cerca de 160-220 libras, que passa os seus dias a caçar alces. Sonhamos com os nosso antepassados a encontrarem (ou a roubarem) um filhote de lobo e a criá-lo com muito amor. Imaginamos esse cachorro a crescer e a tornar-se o melhor amigo do homem e o seu companheiro e a procriar crias domesticadas para nós. Após várias gerações deste processo, supostamente nós produzimos o cão tal como o conhecemos hoje em dia. Vemos uma linha de descendência directa dos nossos cães directamente ao grande lobo cinzento que vemos no canal Discovery. UAU, um lobo na nossa sala de estar, que sentimento poderoso!

Hoje em dia já sabemos que as coisas não aconteceram exactamente assim. Os nossos antepassados não domesticaram o cão, ele domesticou-se a si mesmo. Aliás os antepassados do cão não são os grandes lobos cinzentos do Discovery Channel. Esse lobo não existia quando o cão começou a dividir-se numa nova espéce – o lobo cinzento tinha ainda que evoluir, tal qual o cão doméstico fez. O que precisa de imaginar é um animal muito mais pequeno, que já se tinha divido da família dos lobos alguns 200,000-500,000 anos atrás. Este antepassado não era um caçador especializado como o lobo é, mas era antes o que os biologos chamam de um “generalista” - um animal que não é limitado a uma fonte específica de comida ou a um ambiente, mas sim que se pode adaptar a várias situações.
Este antepassado mais pequeno provavelmente assemelhava-se fisicamente a um dingo e a outros cães primitivos que ainda vivem no selvagem hoje em dia. Pode não ter sido um animal que vivia em grupo. Na realidade, a vivência em grupo é rara entre os canídeos. Por isso, como a maioria dos canídeos que vemos hoje, provavelmente vivia em pares e grupos familiares temporários, capazes de estarem em grupo ou sós.
Então, agora está a imaginar um animal mais pequeno, parecido com o cão. O que é que este pré-cão fez que levou ao rpesente cão? E nós tivemos alguma coisa haver com isso? A resposta a ambas as questões está no nosso desenvolvimento como uma espécie. Tal como a maioria das espécies, nós sobrevivmeos por milhões de anos com números limitados, dada a escassez de comida. Hà cerca de 130,000 anos atrás inventamos o arco e a flecha.

Este foi um grande salto, mas – contrário ao mito - não quis dizer que os antepassados dos cães se juntaram a nós imediatamente para nos ajudar a caçar. O cão era ainda e apenas um animal selvagem, e como todos os canídeos selvagens – até mesmo ao presente, e mesmo que sejam criados numa casa humana – ele permaneceu completamente inútil nas tarefas da caça.

Como tal o nosso arco e flecha, não quiseram dizer que o lobo se tornou subitamente apto a trabalhar como um cão de caça. Quis sim dizer, que os nossos antepassados tiveram uma tarefa bem mais fácil em conseguir alimentos. Eles começaram a deixar restos nos seus encampamentos, restos que eram comestíveis para outros. Criou-se assim uma nova fonte de alimentos para outras espécies na área. E quando uma nova fonte de alimentos aparece num ambiente particular, existe sempre algum animal que se aproveita da mesma e a explora. Neste caso, alguns dos antepassados caçadores, ou exploradores do cão de hoje em dia, foram os que se aproveitaram desta fonte de alimentos. Estes eram indivíduos que eram atraídos por uma (muito mais fácil e segura) forma de sobrevivência. Tudo o que precisavam era manter-se atrás destes grupos de humanos e comer os restos que eles deixavam para trás. Talvez ocasionalmente ainda encontrassem grupos nómadas e procriassem com estes indíviduos pelo caminho – mas a maioria dos cachorros eram originários da procriação nos próprios locais onde se encontrava a fonte de alimentos, entre animais mais solitários que agora sobreviviam comendo os restos.

Este foi o início da separação reproductiva, e como tal da formação de um espécie nova.

Como tal, à cerca de 130,000 anos atrás, temos um número destes animais que se assemelham com os antepassados dos cães que se dividiram e formaram um novo niche ecológico. Parcialmente reproduzindo-se em isolamento, este novo niche, começou por desenvolver características tipicamente caninas. De forma a encontrarem-se nos locais onde se encontravam os restos e procriar, estes animais tinham que deter características muito especiais. Tinham que estar preparados para comer comida pré-oferecida, ao invés de participarem na caça da mesma (a comida que dá hoje em dia ao seu cão, continuam a ser restos, apesar de virem empacotados, terem marcas e serem muitas vezes caras). Se eles vivessem em grupos, teriam que estar prontos a abdicar do grupo, por este tipo de vida e andarem sós ou em pares (mesmos os restos deixados pelas aldeias não detinham suficiente comida para alimentar grupos grandes). Teriam que ser capazes de partilhar espaço (a aldeia e o local onde se encontravam os restos) com estranhos da sua própria espécie que também tinham descoberto aquela fonte de alimentos. E – o mais importante – tinham que ter menos medo, do que o normal, de humanos.

Estes animais estavam no processo de fazer uma escolha. Estavam mais do que nunca, longe dos seus primos os lobos, mas também não eram ainda cães domesticados. A escolha que alguns deles fizeram levou a que o cão pré-doméstico aparecesse. A anatomia deste animal ainda estava a uma vida nómada, uma vez que acompanhavam os grupos nómadas dos humanos. Isto é provavelmente a razão pela qual os arqueologistas não encontram restos tipicamento caninos deste período. O corpo do cão ainda não tinha sofrido grandes alterações, embora o seu comportamento e provavelmente o seu cérebro estivessem já a alterar-se. Mas antes de se poder tornar um verdadeiro cão domestico, a nossa espécie teve que fazer o seu prórprio salto evolutivo.

Este próximo salto veio hà cerca de 12,000 anos atrás, quando desenvolvemos a agricultura. Os humanos pararam de se moverem como caçadores e colectores e começaram a viver em aldeias permanentes. Agora o pré-cão também podia estabelecer-se e viver permanentemente perto da fonte de alimentos. Agora já não iria encontrar-se com grupos nómadas que ainda caçava, e que tinham medo dos humanos, nem por acidente. Não iria existir mais procriação com caçadores, nem mesmo ocasionalmente. O seu corpo poderia começar-se a adaptar-se a um tipo de vida mais sedentária, apesar das mudanças que já estavam a ocorrer no seu comportamento e no seu cérebro.

Dentro de um periodo relativamente curto o cão tal qual o conhecemos hoje realmente apareceu. Este é o período em que verdadeiros esqueletos de cães foram encontrados. Os outros ramos da família continuaram a sua vida de caçadores e tornaram-se nos cães selvagens que agora vemos no Discovery Channel. O lobo cinzento tendo nada haver com tudo isto.

O cão e o lobo eram relacionados um com o outro da mesma forma que você está relacionado com o seu sexto primo, e da mesma forma que todos nós estamos relacionados a outro tipo de primatas (macacos e chimpanzés). Nós partilhamos um antepassado, nada mais. Mas o cão definitivamente não descendeu do lobo cinzento mais do que você descende do seu primo.

REFERÊNCIAS:
  • Beljaev, DK, Trut, LN, Some genetic and endocrine effects of selections for domestication in silver foxes, in
  • The Wild Canids, Fox, MW, ed., Van Nostrand Reinhold, New York, 1975.
  • Beljaev, DK, Plyusnina, IZ, and Trut, LN, Domestication in the silver fox (Vulpes fulvus desm): changes in physiological boundaries of the sensitive period of primary socialization, Applied Animal Behavior Science 13:359-70, 1984/85.
  • Coppinger, R, Coppinger, L, Dogs: a startling new understanding of canine origin, behavior, and evolution, Scribner, New York, 2001.
  • Koler-Matznick, J, The origin of the dog revisited, Anthrozoos 15(20): 98 – 118, 2002.http://www.canineworld.com/ngsdcs/Origin.of.the.Dog.pdf
  • Lindsay, SR, Handbook of applied dog behavior and training, Blackwell Publishing, Ames Iowa, 2000.
  • Plyusnina, IZ, Trut, LN, An analysis of fear and aggression during early development of behavior in silver foxes (Vulpes vulpes), Applied Animal Behavior Science 32:253-68, 1991.
  • Serpell, JA, ed., The domestic dog: its evolution, behaviour and interactions with people, Cambridge University Press, Cambridge (UK), 1995.
  • Sibly, RM, Smith, RH, Behavioral Ecology: Ecological Consequences of Adaptive Behavior, Blackwell Scientific Publications, Oxford, 1985.

1 comentário:

Ricky disse...

Pela mesma ordem de ideias o gato teria que ser um descendente directo do leão... o canário do papagaio, o pardal do falcão... e por aí fora.

Gostei do teu blog!