Ainda hoje ouço pessoas fazerem alguns comentários acerca do jogo tug-of-war:
“Jogar tug-of-war incentiva a agressividade nos cães.”
“Jogar tug of war faz os cães dominantes. “
“Jogar tug of war faz os cães bons cães de guarda.”
“Quando jogamos ao tug of war, temos que ganhar senão descemos na hierarquia e o cão fica a pensar que manda em nós”
“Tug of war é um jogo para ser feito apenas por alguns profissionais muito experientes em treino de protecção”
Se perguntarem às pessoas que dizem esta frase, o porquê de ser assim? Ou de onde tiraram esta informação, a maioria não sabe explicar. Como a grande maioria das coisas no mundo dos cães, esta é mais uma daquelas que “sempre se ouviu dizer” e por isso deve ser verdade.
Muitas pessoas começam a descrever experiências pessoais de como o seu cão quis comer a vizinha do lado depois de ter puxado numa corda durante 5 mnts. Cómico? Nem tanto, muitas pessoas vão jurar de pés juntos que é assim mesmo. Mas é, ou não é?
Tug of war o que é?
Ao contrário do cabo-de-guerra (tug of war) praticado pelos humanos que tem como intuito um jogo competitivo cujo objectivo é ver quem ganha e tem mais força, o tug of war praticado com os nossos cães não assenta no mesmo princípio.
Não faz sentido pensar que um homem adulto que puxa numa corda com um Yorkshire Terrier está a tentar estabelecer quem tem mais força ou quem ganha. Da mesma forma que pensar que um BullMastif puxa num pau que uma criança segura “para lhe mostrar que domina uma estrutura hierárquica qualquer”.
Estes antropomorfismos distorcidos levam a um sem fim de tonterias profanadas por aqueles que se munem de autoridade baseada no “diz que dissse porque sempre foi dito”.
O que faz um cão pegar numa corda e puxar ao mesmo tempo que outro cão ou pessoa que puxa do outro lado, não é um desejo de saber quem tem mais força, muito menos um desejo secreto de querer subir numa hierarquia social e ser o que agora manda e vai ter que ir ao supermercado comprar a ração diária. O que faz um cão pegar num pedaço de corda e puxar é uma das partes é um comportamento que assenta na cooperação.
SÃO PRECISOS DOIS PARA DANÇAR
Começamos pelo raciocínio mais básico. O Tug of war só funciona se estiverem dois a puxar. Se alguma vez ensinou ou viu um cão a brincar ao Tug of War de forma apropriada, irá entender que o jogo só funciona e só é divertido se dois estiverem a puxar. Se por acaso você largar o brinquedo, este deixa de ter interesse.
Aqueles cães que aprenderam que o brinquedo só funciona quando alguém segura do outro lado mas ninguém perdeu tempo a ensinar “as regras”, tentam todo o tipo de estratégia para conseguir que você interaja e entre no jogo novamente. Passam por você a correr a passar tangentes pelas suas pernas, envergando o brinquedo orgulhosamente na boca como que a dizer “vem cá puxar anda estou aqui!”. Outros largam o brinquedo perto das pernas dos donos, apenas para no último segundo o agarrarem e fugirem com ele - e lembre-se que correr atrás uns dos outros antes de iniciar um bom jogo de tug faz parte da diversão – e outros chegam mesmo a dar marradas nas pernas e braços dos donos com os brinquedos e a colocarem aqueles olhos de carneiro mal morto para ver se conseguem a vossa cooperação.
Seja qual for a estratégia são tudo comportamentos normais e saudáveis nos cães, que só se tornam problemáticos aos olhos dos donos que visionam um comportamento específico e não entendem porque é que o cão não sabe fazê-lo (apesar de nunca terem ensinado ao cão o que pretendem dele).
Mas o que é que tudo isto tem a ver com agressão está para lá de qualquer raciocinio lógico.
A excepção à regra
Se o seu cão é um que apresenta comportamentos de agressão por possessão, não se admire se ele não só não lhe devolve o brinquedo como lhe mostra os dentes quando você se aproxima do mesmo. Mas isto continua a não estar relacionado com o jogo do tug of war em si. O cão que tem agressão por possessão também fará o mesmo com a taça da comida ou com o seu sofá favorito por exemplo. O problema do cão que não lhe demonstra agressão quando você vai buscar o brinquedo do Tug não está relacionado com o jogo do Tug em si, está relacionado com o instinto de possessão inato a todos os cães e que no seu não foi devidamente controlado e colocado sob auto controlo.
Então a regra para esses cães é, primeiro ensine o cão a deixar de ser agressivo e possessivo com os seus objectos e só depois pense que este jogo é adequado ao seu cão. Esta é a única excepção a jogar-se tug com um cão.
Regras
As regras são simples:
O cão só pode pegar na corda do tug quando o dono dá sinal, mesmo que o brinquedo esteja ali distraidamente na mão ao alcance do cão
Sempre que o dono dá um sinal específico o cão deve imediatamente largar o brinquedo
Portanto se pensar bem, precisa apenas de duas coisas. Ensinar o cão o “pega” sinal que usará para que o cão saiba que agora sim posso agarrar e puxar no brinquedo. E o “larga” que usará quando quer que o cão pare de puxar no brinquedo e o largue.
Eu até costumo ensinar um outro sinal. O “chega” que basicamente diz aos meus cães que acabou a brincadeira e que o brinquedo vai ser arrumado.
E sim, é muito importante que reserve um brinquedo específico para jogar ao Tug e que este esteja guardado e que saia só quando for hora de brincar ao Tug, faz-se isso por variados motivos, entre eles: ensinar o cão controlo, motivar o cão, e poder usar o brinquedo como recompensa para treino e ensino de comportamentos adequados.
Muitos treinadores extrapolam nos motivos pelos quais o dono “tem que manter controlo” do brinquedo. “Senão o cão pensa que ganha”. Mas issso é uma grande patetice que não faz sentido nenhum. Os cães como as crianças, se têm um brinquedo à disposição o tempo todo, das duas uma, ou aprendem a requisitar que o jogo começe sempre que o dono esteja presente (pegam no brinquedo e vão “chatear” o dono) ou ignoram o brinquedo porque este perde o interesse e passa a ser um objecto inanimado que está para ali atirado.
Se o cão aprende ele mesmo a pedir que o jogo comece fica difícil ele perceber quando o pode fazer. O dono não lhe ensina nenhum sinal específico e logo o cão vai tentanto começar o jogo em diversas ocasiões, contextos, locais e com diversas pessoas. Isso pode-se tornar complicado porque as pessoas têm tendência para reforçar os comportamentos intermitententemente, ou seja, de vez em quando estão com paciência e até acham piada à insistência do cão e respondem brincando com o cão, outras vezes estão cansados e consideram o comportamento irritante e problemático e não respondem, muitas vezes até punindo o cão.
Esta inconsistente pode gerar muitos outros problemas coletarais. Por isso é que é importante manter as regras do jogo claras, e ensiná-las de forma concisa e precisa ao seu cão ANTES de exigir seja o que for ao mesmo.
Vocalização
Quando vejo o meu pai assistir a um jogo de futebol em conjunto com os amigos no sofá lá de casa, por vezes dá-me a sensação que vão começar todos à bulha uns com os outros, com a tv e com quem passar perto. Desde urros, a berros, insultos, palmas e manifestações de alegria ou indignação o visionamento de um jogo de futebol se retirado fora do contexto pode ser entendido como uma guerra prestes a começar.
O mesmo se passa com o jogo do tug. Alguns cães quando jogam o Tug sentem-se extremamente excitados ( no bom sentido ) e adoram o jogo e exprimem-no com vocalizações. Rosnam, ladram, fazem todo o tipo de barulho. Punir um cão por vocalizar a alegria que sente quando joga Tug seria o mesmo que desatar à chapada ao meu pai sempre que ele gritasse golo durante um jogo de futebol. Sim claro que um cão agressivo rosna, mas se você acha que rosnar significa uma coisa apenas (que um ataque está iminente) então nunca observou dois cães a brincar….
Portanto o facto de o cão rosnar quando joga ao tug não quer de todo dizer que está a ficar agressivo quer apenas dizer que está a festejar um golo, partilhe dessa alegria e experimente fazer barulho ao mesmo tempo que brinca ao tug com o seu cão e verá como ele fica contente com a partilha!
Resumindo e Brincando
O jogo do tug é usado muito no treino de cães polícia por exemplo e sabia que os cães de busca e salvamento são na sua grande maioria (para não dizer todos) treinados com base nesse jogo? E sabia que o tug é usado para treinar cães de assistência, cães para cegos e cães que detectam bombas? Os desportistas de agility são fãs de um bom jogo de tug e os grandes campeões de obediência usam o jogo de tug com a trela para recompensar performances excelentes.
O tug quando bem usado é não só uma recompensa fenomenal e muito valiosa que pode ser usada com bastante frequência em qualquer lugar, como se bem aplicada pode ajudar no treino de comportamentos complexos e/ou cadeias de comportamentos.
O Tug bem aplicado também ensina o cão a auto controlar-se, a aprender comportamentos muitos importantes como “pega”, “larga” e “chega”. É uma forma de construir um relacionamento saudável e duradouro com o seu amigo de quatro patas, uma forma magnífica de dispender energias e de exercitar o cão fisica e mentalmente.
Se por acaso alguém lhe descrever o jogo do tug de outra forma, é porque não sabe usar o jogo apropriadamente e não é porque o jogo em si tem algo de “mau” inerente ao mesmo. Lá porque alguém não sabe condicionar e ensinar apropriadamente cães a jogarem tug de forma controlada e colocar esse controlo ao serviço da obediência e educação do cão, não quer dizer que não é possível, apenas quer dizer que essa pessoa não o sabe fazer.
Agora que sabe os factos, porque não experimenta?
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2 comentários:
É uma grande confusão, alguns tratam seus cães como "humanos de quatro patas" mas na hora de algumas brincadeiras, enxergam esses "humanos" como feras "latentes". Outros vêem seus cães como selvagens a serem domesticados e submetidos a suas ordens. Pobres cães...
Excelente texto!
Desde sempre eu brinco de cabo-de-guerra com a Suzie e ela sabe estes mesmos comandos "vai" (pra pegar), "larga" e "acabou". Fora que também uso como recompensa e, em dias chuvosos, quando não dá para se exercitar ao ar livre, uso um brinquedo que ela ama e só sai do armário nestas ocasiões: uma ótima maneira de gastar energia.
O que vejo muito também são veterinários que dizem que nunca se deve brincar disso, por deixar o cão dominante (entre outras coisas). Triste...
Beijos!
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