A antropomorfizarão é o fenómeno que nos leva a ver “culpa” no
comportamento dos nossos cães. Esta perspectiva é extremamente prejudicial para
um bom entendimento daquilo que os nossos cães nos tentam comunicar, e da
interpretação que fazemos desses sinais comunicativos.
Um exemplo ocorre quando adquirimos um cachorro pela primeira
vez. Por norma, a maioria das pessoas vai buscar o cão ao fim-de-semana para
ter tempo para dedicar ao novo companheiro. Passados os primeiros dias de
atenção constante, o cão é deixado em casa por um período entre 7 e 9 horas
sozinho. Isto pode é difícil para o cachorro, que não entende porque é que está
só. Durante esse tempo, ele vai tentar encontrar algo com que se distrair, e,
normalmente, acaba por descobrir o ambiente que o rodeia através da boca e dos
dentes, roendo e explorando. Durante o dia, também terá necessidade de ir à
casa de banho, e escolhe sempre os locais que mais se assemelham a uma casa de
banho para eliminar, como os tapetes.
Quando o tutor finalmente chega a casa, o cachorro corre para a
porta, feliz por reaver a sua família. O tutor, por sua vez, da porta de casa, observa
o espetáculo medonho que o espera – de tapetes com xixi, fezes por todo o lado,
móveis roídos, etc. Imediatamente, começam os castigos e reprimendas. Desde
fechar o cachorro sozinho (após já ter passado 9 horas sozinho), a dar uma
palmada, ou agarrar no cachaço, a gritar, etc. No dia seguinte o mesmo
repete-se. O cão é deixado só, volta a ter os mesmos comportamentos e o tutor
volta a chegar a casa e a punir o cão pelo seu “mau comportamento”. Ao terceiro
dia deste ciclo, quando o tutor chega a casa, a primeira coisa que vê é o cão
cabisbaixo. Muitos escondem-se debaixo de mesas ou sofás, outros oferecem a
barriga ao dono, outros urinam. Estes comportamentos são imediatamente
interpretados como culpabilidade na antecipação das asneiras que os tutores
podem encontrar.
É nesta altura que os tutores afirmam que o cão sabe que fez mal. Ele tem que saber, senão
porque é que viria com aquele ar de culpa, quando entro em casa? Porque é que
se esconde debaixo da mesa, mesmo quando não fez nada?
O que o seu cão está a fazer, é oferecer sinais
de apaziguamento, ou seja, o seu cão aprendeu que, quando você
entra por aquela porta, existe uma enorme probabilidade de ele ser castigado.
Os sinais de apaziguamento englobam comportamentos como: urinar,
virar a barriga para o ar, lamber os lábios, caminhar com o corpo rente ao
chão, virar a cabeça, baixar a cabeça, esconder-se, colocar o rabo entre as
pernas, etc. e são sinais que os cães enviam para comunicar calma e evitar
confrontos. Não significam, de modo nenhum, que ele sabe que fez mal, porque
aliás ele não fez nada mal, ele apenas se comportou como um cão. Ele não faz
ideia do que fez mal, se soubesse, bastaria um castigo, para o cão aprender a
não repetir a façanha, de forma a evitar novos castigos no futuro. Tudo o que
você faz ao seu cachorro, se o castigar por algo que ele fez há algumas horas
atrás, é ensiná-lo que você é imprevisível, e associar a punição à sua chegada.
Da próxima vez que você levantar o tom de voz ao seu cão, e ele
se desfizer no que lhe parecem desculpas, pense bem que ele apenas está, ao
jeito canino, a tentar evitar confrontos. Poupe o seu companheiro destas
situações, que em nada beneficiam a vossa convivência. Foque-se em ensinar ao
seu cão o que ele pode fazer. Restrinja os locais a que ele tem acesso em casa,
quando está só, retire os tapetes do chão, e outro tipo de objectos, que possam
ser alvo dos dentes do seu cachorro. Deixe vários brinquedos recheados de ração
para ele se ocupar e poder roer saudavelmente. Prepare tudo para que o seu
cachorro tenha excelentes oportunidades de fazer aquilo que você quer. Acima de
tudo, chegue a casa e ofereça muitos mimos e carinhos ao seu cão. Ele passou um
dia inteiro à sua espera, e o que mais quer é estar consigo e partilhar consigo
a alegria de o ver.
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