terça-feira, 18 de novembro de 2008

A Panacéia da Dominância por Jean Donaldson


Um modelo que é usado como quasi-justificação para o uso de aversivos no treino é a teoria da hierarquia. Desde que a teoria da hierarquia linear foi postulada nos lobos, donos de cães e treinadores excedem-se nos seus esforços em querer justificar todo e qualquer comportamento canino e interacção humano/canina em termos de “dominância”. Nós realmente colamos a esta. É um belo exemplo de um meme**(explicação em baixo) bem sucedido. Os cães portam-se mal ou são desobedientes porque ninguém lhes mostrou quem é que manda. Tu deves ser o “alfa” dentro do teu “pack”. Para além de ser mais uma forma de justificar métodos de treino aversivos – implica que o cão supostamente passa as noites acordado a planear “um golpe de estado” portanto é melhor que você o mantenha no “seu lugar” com muita coerção – dominância fornece explicações rápidas e simplistas para o comportamento canino.


Para os donos de cães, esta explicação simplista, torna desnecessário o trabalho de se ter que estudar uma série de tópicos, como por exemplo, como os cães aprendem. Noções de cães que passam por portas antes dos donos, ou que puxam na trela para assertivar dominância sob os seus donos, são estúpidas demais para serem comentadas. Algumas pessoas têm estes conceitos tão confusos que vêm comportamentos como saltar ou colocar um pata em cima do dono, como exibições dominantes e como tal boas justificações para uso de aversivos. A panacéia é, uma vez mais, uma forma de tirar uma conclusão rápida antes de excluir explicações bem mais óbvias. Cães roem mobílias porque, para que mais poderão servir? São desobedientes porque não fazem ideia do que lhe estão a pedir, estão desmotivados, ou outra coisa qualquer ganhou o jogo da motivação naquela dada situação. O ranking não está nas suas mentes.

Sendo assim, tem que existir uma separação entre um cão se demonstra comportamentos de apaziguamento e um cão que está sob o efeito da coerção. Se aplicar choques eléctricos contínuos a um cão após fazer a chamada, e desligar os choques quando o cão chegar perto de si, e o cão aprender que pode escapar e mais tarde evitar o choque vindo o mais rapidamente possível assim que você dá o comando, você tem controlo aversivo. Pode fazer o mesmo, e muitos fazem, usando estranguladoras ou jornais enrolados. Isto, no entanto, não é necessariamente uma manobra de dominância. Como é que isto tem impacte numa hierarquia é uma questão retórica. Esta é de facto uma grande falácia.

Da mesma forma que, se um cão souber que tem uma chance em 5 de receber uma recompensa se vier quando chamado e que a probabilidade é que possa voltar ao que estava a fazer, se vier imediatamente, e que irá de facto perder uns minutos de liberdade se não cumprir, também este, irá exibir uma forte e boa chamada. Isto é controlo sem aversivos. O que interessa aqui não é que tipo de motivação você usa, evitamento ou reforço positivo, mas a ligação inexistente que tudo isto tem com o tema da dominância.

Se existe um cão que não cumpre com os comandos, o cão pode ser treinado usando condicionamento operante. Este é o meio mais directo de aceder a modificação comportamental. Usar conceitos como dominância para explicar porque é que um cão falha em vir quando é chamado, quando na realidade não foi devidamente treinador para fazê-lo é complicar assuntos simples. Pode virar o cão do avesso quantas vezes quiser, mas o cão continuará a não vir se não fôr devidamente treinado e o comando fôr generalizado. E pode virar o seu cão de costas e segurar nele a noite toda ( e passar á frente dele por todas as portas) que ele irá mordê-lo na mesma se você ultrapassar o limite dele. Existe uma gritante falta de rigor, sobriedade e moderação no mundo canino, e a aparente popularidade da falácia da “dominância” é um exemplo forte disso.

O meu mito favorito é passar pelas portas primeiro. Que tolo inventou a noção de que o cão entende e exerce dominância, se preceder o seu dono a passar pelas portas? Quando os cães passam pelas portas a correr, não deveriamos primeiro pensar que apenas estão a querer diminuir a distância entre eles e o que está do outro lado o mais rapidamente possível, porque são cães, porque estão excitados e porque nunca ninguém lhes deu um motivo para não o fazerem?

Sempre que existe este despero pelos “porquê, porquê, porquê” que um cão faz algo, na vez de se basearem imediatamente na dominância pensem nestes dois aspectos primeiro:



  1. Porque o ambiente está de alguma forma a reforçar esse comportamento


  2. Porque nunca ninguém ensinou devidamente o cão a fazer algo diferente

A panacéia da dominância está tão fora de proporção que escolas inteiras de treino canino são baseadas na permissa de que se você conseguir execer dominância sob o seu cão, tudo o resto se resolverá. Não só significa que abusos irão ser cometidos contra o cão, provavelmente aumentando os problemas tais como chamadas inconsistentes e agressão, mas questões importantes, como condicionamento bem executado e manipulação adequada do ambiente do cão serão renegadas, resultando em cães não treinados, a cummprir um “inútil” programa de dominância.



Nada disto quer dizer que os cães não são uma espécie cuja vida social relega às regras hierarquicas. Mas eles também vêm bem à noite e ninguém propõe cirurgia às retinas para resolver os seus problemas de agressão ou não cumprimento de comandos. A teoria da dominância, é simplesmente a forma mais deselegante de explicar, e querer tratar, problemas como agressão e “desobediência”. Treinadores e pessoas que usam aversivos para treinar tendo como base o modela da dominância, teriam muito melhores resultados com menos trabalho se usassem esses mesmos aversivos com uma compreensão de como os cães aprendem, ou, melhor ainda, se deixassem os métodos punitivos totalmente de lado e tentassem outras ferramentas que o comportamentalismo oferece.


O conceito da dominância é simplesmente desnecessário.

** meme - s. idéia, prática social, conceito ou ação que se torna norma e é conscientemente repetido numa sociedade (termo cunhado por Richard Dawkins no livro "The Selfish Gene", 1976)

1 comentário:

Elen Maria disse...

Tenho um boxer que foi adotado e muito provavelmente passou maus bocados durante a sua primeira infância.Hoje está com seis meses e assim que chegou aqui ele não passava à nossa frente de forma alguma e já haviamos lido sobre essa teoria da hierarqui e tudo o mais. But o tempo foi passando e hoje isso já quase não ocorre. Ele é amado e respeitado bastante e felizmente não temos nenhum problema de comportamento indesejado com ele, como foi postado aqui ele hora passa à nossa frente hora não. Acredito apenas que ele é bastante assustado com pessoas desconhecidas, creio que traga algúm resquicio do tempo em que sofreu. Gostei muito do li aqui, but acho que pelo menos no Brasil ainda tem muita gente equivocada e muito para evoluirmos até porque assim é bem fácil e descomplicado.Afinal, quem se ferra é mesmo o cão.